quinta-feira, 10 de março de 2016

Camões. A Infanta dona Maria. José Maria Rodrigues. «Vivo em lembranças, morro de esquecido de quem sempre devêra ser lembrado, se lhe lembrára estado tão contente»

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De Volta de Ceuta
«(…)
Pois ventura
me subiu a tanta altura,
que me sejais valedoras,
ditosa seja a tristura,
que se cura
por vossos rogos. Senhoras.

Ser minha pena mortal.
Já que intendeis que é assi,
não quero fallar por mi,
que por mi falia meu mal.

Sois formosas,
haveis de ser piedosas,
por ser tudo de uma côr;
que pois Amor vos fez rosas
milagrosas,
fazei milagres d'amor.

Pedi a quem vós sabeis
que saiba de meu trabalho,
não pelo que eu nisso valho,
mas pelo que vós valeis.

Que o valer
de vosso alto merecer,
com lh'o pedir de giolhos.
fará que em meu padecer
possa ver
o poder que tem seus olhos.

Vossa muita formosura
com a sua tanto val,
que me rio de meu mal,
quando cuido em quem me cura.

A meus ais
peço-vos que lhe valhais,
damas, de Amor tão validas,
que nunca tal dôr sintais,
que queirais,
onde não sejais queridas.

Olvidada e aborrecida por causa da infanta (olvide y aborreci. Hasse de entender assi: que, desque os di mi cuidado, a quantas hove mirado, olvide y aborreci), exposta á irrisão com expressões equivocas para a sua honra delicada, a menina dos olhos verdes tinha o coração morto para o falso cavalheiro ingrato (falso cavalheiro ingrato! Enganais-me! Vós dizeis que eu vos mato, e vós matais-me! Costumadas artes são, para enganar innocenciais, piedosas aparências sobre o isento coração. Eu vos amo e vós, ingrato, magoais-me, dizendo que eu vos mato, e vós matais-me!), que ella tanto havia amado. Para Falsos amores, falsos, maus, enganadores (apartaram-se os meus olhos de mi tão longe… Falsos amores! Falsos, maus, enganadores! Trataram-me com cautela, por me enganar mais asinha. Dei-lhe posse da minha alma, foram-me fugir com ella. Não há vê-los, nem há vê-la. De mi tão longe… Falsos amores! Falsos, maus, enganadores!), bastara uma vez.
Ao desolado poeta não restava senão lastimar a sua sorte e explicar por outros amores a invencível pertinácia da gentil menina.

E pois fé verdadeira, amor perfeito,
tormento desigual e vida triste,
junta com um continuo soffrimento
e um mal, em que o mal todo, emfim, consiste.
não puderam mover teu duro peito
a mostrares sequer contentamento
de ver o meu tormento,
antes tudo, soberba, desprezaste,
e a outrem te entregaste,
por nada me ficar em que esperasse,
senão quando acabasse
a vida, a pesar meu, já tão cumprida.
perca quem te perdeu também a vida.
(Egloga 4.ª).

E a infanta? A infanta continuava a ser a obsessão constante do poeta, apesar dos esforços que elle empregava para afastar do seu espirito as doces lembranças da passada gloria.

Doces lembranças da passada gloria.
que -me tirou fortuna roubadora,
deixai-me descansar em paz uma hora,
que comigo ganhais pouca victoria.

Impressa tenho na alma larga historia
deste passado bem, que nunca fôra,
ou fôra e não passára; mas já agora
em mi não póde haver mais que a memoria.

Vivo em lembranças, morro de esquecido
de quem sempre devêra ser lembrado,
se lhe lembrára estado tão contente.

Oh quem tornar pudéra a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente!
(Soneto 18)».

In José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta D. Maria, Separata do Instituto, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1910, há memória do Mal-Aventurado Príncipe Real Luís Philippe (3 1761 06184643.2), PQ 9214 R64 1910 C1 Robarts/.

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