quarta-feira, 16 de março de 2016

Interpretações. O Príncipe. Nicolau Maquiavel. «… a demonstração do que sente quando pensa, é o modo como se refere ao momento em que o carrasco leva para a morte os seus companheiros de infortúnio»

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Jamais houve homem menos maquiavélico do que Maquiavel. In Villari

Maquiavel, o prisioneiro do maquiavelismo
«(…) Preso por ter traído os de Medici, Maquiavel vai ver os seus tormentos terem fim, paradoxalmente, ironia do destino, por causa do aumento de poder da poderosa família dos Palleschi, nome que lhes adveio por causa das bolas que ornam a sua cota de armas, símbolo heráldico dos seus: com a aproximação da Primavera, a 12 de Março do ano de 1513, a cidade comemora a eleição de mais um papa, mais um de Medici, Giovanni, segundo filho de Lorenzo, o Magnífico, que ascende com o nome de Leão X, substituindo Júlio II no trono de São Pedro.
A cidade entra em festa para celebrar o evento, um autêntico carnaval vive-se por cinco dias nas ruas, nas casas e nos palácios, muitos no sonho delirante da paz perpétua, outros pelo simples gozo venal do contentamento pagão. Os Florentinos imaginam já as benesses que podem cair-lhes do céu com um papa a que podem chamar seu. As prisões abrem entretanto as portas, a velha superstição de que dar liberdade liberta. Maquiavel é solto. Salvo da má fortuna, este homem sabe que os corredores do poder, de que fora funcionário, estão para trás. Expulso da cena palaciana, resta-lhe, por cautela, retirar-se. Mas não desiste. Servir os grandes, tornando-se-lhes útil, é, afinal, a sua biografia. Usa, para tanto, a única força que tem ao seu dispor, escrever, e a única forma como o sabe fazer, a ironia.
Ainda na cadeia, Maquiavel não baixara o nível da esperança. Estudiosos da sua controversa vida situam dois sonetos, uma canção (Se avessi arco) e um Capítulo Pastoral, como tendo sido escritos naquelas adversas condições carcetárias, na ânsia de obter a graça do Magnífico Giuliano, irmão do papa. Textos inesperados, eles são a melhor demonstração de uma ambígua personalidade em que, naquele ambiente de incerteza, diminuído pelo medo, minado pelo sofrimento, não o abandona o riso de altivez que o aproxima, aos olhos de tantos, do velhaco calculista e do lisonjeador interesseiro. A poesia, com a sua capacidade de concentrar em imagens conceitos extensos, é, por ventura, o melhor autorretrato da sua pessoa. E o que escreveu sobre a sua condição de preso, o que deixou sobre a execução de Boscoli e Capponi, é a demonstração do que sente quando pensa, é o modo como se refere ao momento em que o carrasco leva para a morte os seus companheiros de infortúnio». In Nicolau Maquiavel, O Príncipe, Introdução de José António Barreiros, tradução de Maria Jorge Figueiredo, Editorial Presença, Lisboa, 2008, ISBN 978-972-23-3951-3.

Cortesia de EPresença/JDACT