quarta-feira, 16 de julho de 2014

A Representação da Diáspora Contemporânea e suas Implicações no Romance ‘O Engate’. Nadine Gordimer. Alba Topan Feldman. «Onde a rua acabava, havia o deserto (...). Era desconcertante, a seu ver, chegar a um término. No fim de uma rua tem de haver outra rua. Um bairro leva a outro bairro. (...) Areia. Forma nenhuma...»

Cortesia de wikipedia

O Fenómeno da Diáspora
«(…) Um facto histórico interessante para o estudo da obra é que o livro foi lançado mundialmente poucos dias antes dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, o que enriqueceu a polémica e colocou em relevo a oposição existente entre o mundo europeizado cristão ocidental, e o mundo árabe islâmico oriental. Tal temática passou a ser ponto obrigatório em debates por todo o mundo. O Engate (2004) trata da convivência de pessoas diferentes em situações de conflito individual. Um homem e uma mulher relacionam-se em dois ambientes totalmente distintos: o mundo dela, a África do Sul, e o mundo dele, um país islâmico indeterminado no norte da África. A narrativa inicia-se quando o carro de Julie Summers quebra. Ela irrita-se, mas isso não a impede de encontrar-se com os seus amigos, um grupo multirracial num bar localizado num bairro pobre de Johannesburgo. Tal grupo é conhecido por ela como a Mesa, composto por pessoas de diferentes cores e profissões, ricos e pobres. O bar tem um nome globalizado que mostra que é frequentado tanto por modernos quanto pelos tradicionalistas, assim como pelos habitantes do bairro. Como fica claro várias vezes no texto, o país é a África do pós-apartheid e uma de suas metrópoles, onde há um pouco mais de tolerância racial, e brancos e negros procuram viver em paz.
Ao levar o seu carro velho a uma oficina perto do bar onde estava, Julie conhece Abdu, mecânico que trabalha ilegalmente ali, com um nome falso. Tudo começa com esse episódio, e se desenvolve para encontros casuais, quando Julie tem que voltar mais uma ou duas vezes por causa de seu carro e, depois disso, no interesse de comprar um outro carro. Julie não pertence àquele mundo de classe média-baixa: ela é filha de um banqueiro e, embora renegue sua família trabalhando como relações públicas, organizadora de eventos, não perdeu totalmente o vínculo com eles. Mesmo contra sua vontade, Julie introduz Abdu no mundo da burguesia no qual vive sua família. O encontro acontece num almoço de domingo, promovido por seu pai  e por sua madrasta. Naquele almoço, Abdu busca conviver com a burguesia do país, mas fala de coisas que os ricos desconhecem. Ali se encontra também uma família negra da nova burguesia africana, o Motsamai e a esposa. Motsamai atingira um alto patamar na sociedade como investidor financeiro, mas começou como advogado de famílias ricas. Abdu tenta fazer-se à vontade, pois é naquele lugar que gostaria de estar. Porém, é notável que a sociedade da família de Julie apenas o tolera. Como destaque entre as pessoas presentes no almoço, há um casal que também irá migrar para a Austrália, mas que não teve nenhum problema de passaporte ou de visto, como Abdu teve, levando inclusive o motorista com eles. Abdu e Julie seguem com suas vidas, até que ele recebe uma notificação do Ministério do Exterior, avisando que deve deixar o país imediatamente, pois há dois anos já está no país como imigrante ilegal. A partir daí, a fábula sofre uma reviravolta: Julie tenta de todas as formas que conhece impedir que Abdu saia do país. Tudo em vão. O casal pede ajuda ao tio de Julie, um médico, e a única pessoa da família com quem ela tem um bom relacionamento. O tio também tem na sua vida a história de um casamento feito contra a vontade da família. Ele tenta ajudar, mas nesse momento surge um problema na sua vida.
Por fim, após convencerem-se de que não há maneira dele permanecer na África do Sul, ela toma uma atitude que surpreende a todos, inclusive ao próprio Abdu: decide acompanhá-lo até ao seu país. Tal atitude provoca grande revolta, e certo desconforto para seus amigos da Mesa, muito embora eles procurem ao máximo não se envolver com os problemas dos amigos. Apesar de ver os esforços de Julie, Abdu não acredita que ela possa realmente querer ir com ele para um país desértico, do qual ele quer fugir a qualquer preço. Ele imagina que sua atitude nada mais é que o capricho de uma menina rica e mimada e que, ao primeiro problema, ela voltará para casa. Mesmo assim, casa-se com ela para não ofender a família, para a qual retornava como um fracassado, levando uma amante para sua casa. Eles despedem-se de todos e, sem o consentimento do pai dela, partem para o país árabe de origem de Abdu. A chegada do casal no país de Abdu marca o início da segunda parte do romance.
A aldeia onde eles moram é pequena, totalmente dominada por uma mesquita islâmica, que chama todos à oração bem cedo, todos os dias, e pelo deserto que a cerca. Ao levantar-se muito cedo e caminhar, Julie trava uma ligação muito forte, quase mística com o deserto. Também faz amizade com as mulheres da casa. Ao participar do Ramadã, mês de Jejum da família islâmica de Ibrahim, Julie consegue a aprovação da mãe dele. Enquanto isso, dá aulas de inglês para alguns jovens e mulheres da aldeia e, ao mesmo tempo, que ganha algum dinheiro, consegue aprender a língua do país.
Ibrahim começa imediatamente a procurar um novo país que o aceite, utilizando-se, para tanto, de todos os meios que conhece, lícitos e ilícitos. Julie ama a tradição e o pertencer a algo de sua família: conhece mais profundamente a vida da aldeia, os tuaregues (na forma de uma beduína), um oásis, entre outras coisas. A ida ao oásis deixa profunda impressão em Julie, que chega a pensar na possibilidade de ela mesma montar uma plantação irrigada, um oásis para produzir verde no deserto.
Finalmente, consegue um visto para os Estados Unidos, com a ajuda de cartas de recomendação de pessoas indicadas pela mãe de Julie, que mora no país com o actual marido. A partir desse momento, Julie começa a entristecer-se por ter de deixar a terra que havia começado a amar. Por isso, poucos dias antes da partida, ela informa-o que ficará. Ibrahim fica pasmo com a notícia, e depois, extremamente zangado. Porém, nada muda a ideia de Julie a respeito de ficar.
Como foi visto, o presente trabalho terá como objectivo geral verificar a representação da diáspora em O Engate, de Nadine Gordimer. É também seu objectivo verificar como a diáspora afecta o relacionamento pessoal, afectivo e social das personagens». In Alba Krishna Topan Feldman, um longo caminho até o lar, A Representação da Diáspora Contemporânea e suas Implicações no romance ‘O Engate’, de Nadine Gordimer, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Dissertação de Mestrado, Maringá, Brasil, 2006.

Cortesia de UEM/JDACT