terça-feira, 29 de julho de 2014

Muçulmanos. Cristãos. Judeus. Toledo. Séculos XII-XIII. «… chegou a ver-se os seus exércitos defrontando-se ao serviço de dois príncipes muçulmanos rivais, ou mesmo para proteger um muçulmano dos assaltos de um cristão. As terras do Islão são um campo aberto aos aventureiros»

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A Chegada dos Cristãos. O Refluxo do Islão Espanhol
«(…) Em meados do século XI, a chama será erguida pela Toledo do prestigioso al-Ma'mun (1045-1077), que alberga os artistas e sábios expulsos de Córdova pelo desmoronamento do califado. Al-Andalus faz verdadeiramente parte de um conjunto de elementos que se estende até ao Indo, onde circulam os homens, as ideias e os livros, onde nunca se perdeu a memória das obras da Antiguidade e onde nunca se interrompeu a tradição de leitura. Deste ponto de vista, está-se a anos luz da Europa cristã. A Europa cristã, exactamente. Durante muito tempo, Al-Andalus desprezou-a. E claro que foi preciso fazer um esforço para repelir os exércitos de Carlos Magno, que penetraram até Saragoça e Barcelona, mas finalmente haviam sido detidos e a maioria do terreno perdido, reconquistada. Durante muito tempo, pouco mais incómodo causaram aqueles grupos guerreiros das Astúrias e da Galiza que a pouco e pouco se espalharam pelo grande planalto do Norte. Ocupam Leão, a capital, e Santiago de Compostela, onde pretendem ter descoberto o túmulo do apóstolo do mesmo nome; mas ainda há, bem pouco, os raides de Almançor, o déspota de Córdova, puseram a ferro e fogo as suas vilas e cidades. Todavia, ganham peso porque Al-Andalus divide-se. Curiosamente, sempre lhe foi difícil dotar-se de um regime estável. Durante quase cinquenta anos, dependera de Damasco. Em 756, apresentara-se em Córdova um príncipe vindo do Oriente, o último dos Omíadas, o último sobrevivente da família dos califas, massacrada e destronada num golpe de estado sangrento. Instalara-se, tomara o título de califa e, de então para a frente, a Espanha muçulmana era independente. Com dificuldade, entre revoltas de governadores e intrigas de palácio, encontrara sempre um homem de pulso para a manter unida, nem que fosse à custa de uma ditadura sanguinária.
Mas pouco depois do ano 1000, o ano 1000 dos cristãos, ocorrera o irreparável: Al-Andalus fraccionara-se em taifas, em principados independentes e rivais, incessantemente virados uns contra os outros; Sevilha, Toledo, Saragoça, Valência, Granada, Badajoz, para falar apenas dos mais importantes e não falar desses Estados minúsculos que eram Huelva, Moron, Arcos, Rueda, Denia ou Lérida, uma boa vintena no seu total. Como podia a alma dos verdadeiros crentes não sofrer com esta escandalosa fragmentação? Tanto mais que os cristãos beneficiavam com isso. Não estavam menos divididos: os reinos de Leão, de Castela (em volta de Burgos e muitas vezes unidos, esses dois), de Navarra (em redor de Pamplona), os condados catalães (uma meia dúzia pelo menos, mas dominados pelo conde de Barcelona), o pequeno reino de Aragão, que estava a formar-se nos altos vales dos Pirenéus centrais, invejavam-se ainda mais do que temiam os muçulmanos. Mas, estendiam-se, e cada vez mais rapidamente.
Porque o aparecimento dos taifus constituíra para eles uma bênção. Atraídos pelo ouro, eles que praticamente lhe tinham perdido o uso, os seus soberanos haviam posto os seus exércitos ao serviço dos reizinhos muçulmanos e haviam enriquecido consideravelmente. A pouco e pouco foram-se tornando ousados e agora exigiam. Já não lhes era pedida a sua protecção: eram eles que a impunham. Obrigavam a que lhes fossem dados verdadeiros tributos, as parias, que arruinavam os príncipes de al-Andalus e os seus povos. Pobre do que não pagava! Uma razia em breve o obrigava a voltar à razão: al Ma'mun de Toledo, al Muktamid de Sevilha, o mais poderoso dos soberanos muçulmanos, haviam conhecido essa experiência. Em contrapartida, os cristãos mantinham a sua palavra e protegiam, de facto, os seus clientes contra o que quer que fosse: chegou a ver-se os seus exércitos defrontando-se ao serviço de dois príncipes muçulmanos rivais, ou mesmo para proteger um muçulmano dos assaltos de um cristão. As terras do Islão são um campo aberto aos aventureiros. Célebre, entre eles, o Cid, Rodrigo Diaz Vivar. Nobre castelhano, nascido em Burgos, ao serviço de Afonso VI, encontrava-se numa embaixada em Sevilha para receber a paria quando repeliu os exércitos granadinos que atacavam a cidade, comandados pelo conde Garcia Ordoñez, também castelhano. Expulso da corte do seu senhor na sequência de querelas políticas, colocou-se, com um exército sem dúvida composto, pelo menos em parte, por vassalos seus, ao serviço do rei mouro de Saragoça, por conta de quem esmagou (as crónicas dizem que capturou) o conde de Barcelona. Daí passou a Valença, onde permaneceu durante anos, atacando uns, exigindo tributo a outros, protegendo al-Qadir, o soberano da cidade, vassalo de Afonso, contra os seus inimigos, tanto cristãos como muçulmanos». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos. Cristãos, Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN 972-710-144-5.

Cortesia de Terramar/JDACT