segunda-feira, 14 de julho de 2014

A História Mítica da Cultura Portuguesa. Leituras. Dalila Pereira Costa. «Sucedeu então a época portuguesa dos anti-Descobrimentos. Com o advento da Renascença Portuguesa, no Porto, e a obra de Pessoa, em Lisboa, criam-se condições espirituais em Portugal, um messianismo do império do Espírito»

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«(…) Ressurreição da antiga sabedoria mítica em forma de acção, os Descobrimentos exprimem a existência de uma autêntica modernidade portuguesa que, breve, desprezada a fé e o ideal, será envolvida e dominada pela modernidade racional da revolução científica do século XVII e da revolução democrática do século XVIII. Nascera uma outra Europa, a Europa central acolhedora da herança utilitária e técnica romana. E o ciclo repete-se, de novo Portugal possuirá uma função messiânica e providencialista: e agora, um meio milénio passado, num amar agora ultrapassado, transfigurado, o do espírito, ou pelo espírito, ou mar interior, noivo feito de novos argonautas, se avizinhará, urgirá avizinhar-se: como penetração e desvendamento e desenho nesse outro mar de suas costas e limites e baías as mais profundas e vaus e linhas de orientação: como repetição do primeiro passo de toda a iniciação, e retomar o apelo de Sócrates, ou de mais atrás, do deus da luz, o que estava escrito no alto do seu templo de Delfos: … conhece-te a ti mesmo. De novo trazendo para as costas atlânticas o princípio gerador do humanismo mediterrâneo. Será este o feito futuro, renovado, da nova descoberta. Para novo ciclo histórico da pátria lusíada e do Ocidente. É a lição de Pessoa a repercutir na obra, as novas Índias serão as Índias do espírito. O rei Sebastião tentara recuperar historicamente o ideal mítico da pátria imperial, mas nele, em finais do século XVI, dominando já a segunda Expansão europeia, figurava-se já um São Sebastião?!?! expiador da vã deleitação do usufruto perdulário das riquezas do Oriente. Então, quando a expiação é deleitação, e se fecha em si na imanência, sem se ofertar na transcendência, como sacrifício teleológico, a perdição entra e perdura no indivíduo e na pátria. E pode durar, prolongar-se em anos e séculos, como auto-comiseração, forma estéril e demoníaca de egolatria, e não como vera expiação, sacrifício no sofrimento ofertado.
Sucedeu então a época portuguesa dos anti-Descobrimentos. Com o advento da Renascença Portuguesa, no Porto, e a obra de Pessoa, em Lisboa, criam-se gradualmente as condições espirituais para de novo emergir, em Portugal, um messianismo do império do Espírito, que de novo estabelecerá a refundação de uns outros Descobrimentos, fundados na interioridade espiritual do conhece-te a ti mesmo socrático. Em 1978, A Nau e o Graal, une as suas teses sobre os arquétipos fundamentais da história mítica portuguesa aos mitos celtas arturianos da Matéria da Bretanha, sobretudo à Demanda do Graal, apresentando a cultura, a acção e o pensamento portugueses dos Descobrimentos como revivescência, não narrada, mas vivida da mitologia medieval do ciclo carolíngio, o ideal e a fé míticos teriam nascido da mimêsis cultural do espírito de missão que animava os cavaleiros da Távola Redonda, unida ao ideal cristão e templário de cruzada. Assim os Descobrimentos e o Sebastianismo, serão a revitalização, revivescência desses mitos; de novo a sua vinda, subida à realidade em forma praticada e conhecida, como sua nova revivescência em todo um povo. Liturgia de união entre imanência e transcendência através da transfiguração da totalidade da Terra em Graal, alvinitência e refluxo emergido da cultura subterrânea mítica megalítica do desejo saudoso da unidade da Deusa-Mãe, revivida agora em forma de Nossa Senhora, Mãe de Deus, os Descobrimentos e, posteriormente, o rei Sebastião, repercutem, no dealbar da Idade Moderna, através de contínuas navegações até ao fim do mundo, tanto a figuração da busca do Graal quanto a ressurreição mítica do Rei Artur, este vestido agora em forma de corpo do rei Sebastião. E assim como os Cavaleiros da Távola Redonda foram exterminados na batalha de Camlan, assim também o foram os cavaleiros da nobreza do reino lusíada na batalha de Alcácer Quibir: mas também depois da sua morte, seu longo período de pausa e ocultamento, o rei salvador voltará ressuscitado, purificado e iniciado, para redimir e ressuscitar o seu povo. E entretanto, como Artur ficou permanecendo na Ilha de Avalon, centro do mundo, assim também Sebastião ficou permanecendo na sua Ilha Encoberta, como outro centro do mundo. O rei Sebastião é o rei eterno, fora do tempo e do espaço. Ele encarnará nesta pátria, a mais alta forma de realeza, a que vence os condicionalismo do mundo presente; o seu reino é eterno, porque ele encarna a realeza divina. Coexistente ao seu reino temporal e espacial, que abandonou no dia da sua expedição quimérica, atravessando o mar, ele constitui um outro, no Outro Mundo, no meio do mar. E será dele, com ele, que um dia, por transferência e coincidência sobre este, virá a salvação, a redenção nacional e universal. Como a descida e união do mundo (ou reino) sagrado, o que retém a vera força e realidade, sobre o mundo (ou reino) profano. E neste rei, se encarnará e exaltará, como nunca nesta nação e como raramente no Ocidente moderno, o personagem tradicional do rei salvador. E é nesse, ou por esse, seu destino e serviço, transcendente, divino, de príncipe humano e terrestre, aquele a quem ao nascer o seu povo logo chamou de Príncipe de Lágrimas». In Dalila Pereira da Costa, A História Mítica da Cultura Portuguesa, Wikipedia.

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