terça-feira, 22 de julho de 2014

A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia. Castro Brandão. «A este facto acrescia a vertiginosa evolução dos acontecimentos de que a França era palco: aos 23 de Janeiro de 1793 rolava no patíbulo a cabeça de Luís XVI»

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Elementos para a História Diplomática Portuguesa
«Mil setecentos e oitenta e nove (1789) é uma data crucial para a história da Europa e, porventura, para a história do Mundo. Ano da Revolução Francesa, dele parte um período turbulento, durante o qual as políticas dos principais países do continente europeu foram seriamente afectadas. Se nos primeiros tempos a surpresa, e a ignorância do que realmente -se passava tolheram naturais reacções, muito em breve os sucessos da França calaram bem fundo entre os gabinetes mais conservadores. A Áustria e a Prússia deram o primeiro exemplo de inconformismo, coligando-se para uma luta contra os novos princípios. Para a sua causa apelaram junto das demais potências que, não obstante, se mantiveram numa prudente e curiosa expectativa. Na Península, as posições dos respectivos países eram semelhantes. A primitiva surpresa dera lugar a uma razoável preocupação, sobretudo quando se verificou o estabelecimento da República como um facto consumado (a República Francesa foi proclamada a 21 de Setembro de 1792). Um e outro governo interrogavam-se sobre a conduta a tomar. Facções pró e contra encontravam justificação adequada nos fundamentos de cada partido.
Madrid, com duas mudanças sucessivas de Ministério, debatia-se na hesitação de uma escolha difícil. O temor de uma ruptura com a França advinha-lhe, sobretudo, do desconhecimento quanto à atitude a tomar pela Inglaterra, cuja neutralidade podia ser artificiosamente aproveitada contra as possessões de S. M. católica. Esta ameaça refreava os espíritos mais belicosos, determinando uma espera, a que só o evoluir dos acontecimentos podia pôr termo. Pelo lado português, moldava-se a situação às exigências do momento. Inquietude, dúvida e receio actuavam em uníssono: a primeira tangia às relações com Paris, para onde, desde a morte do nosso embaixador Vicente Sousa Coutinho, não mais se enviara qualquer representante; a segunda dizia respeito às próprias decisões que as circunstâncias impunham; por último, o receio de um isolamento perigoso, no caso de uma aproximação hispano-britânica.
Contra esta última hipótese tenta assegurar-se Luís Pinto Sousa Coutinho, o chefe da diplomacia portuguesa. Datam desta altura os incansáveis esforços para se obter uma tríplice aliança, coadjuvando em bases igualitárias as finalidades comuns aos três gabinetes. Mau grado todas as pressões e diligências não conseguiu o governo de Lisboa alcançar o almejado fim. Como veremos, a sugestão só era verdadeiramente vantajosa para quem a propunha. Caminhando a par da política ibérica no jogo neutro em relação à França, deparamos com a atitude do governo de Pitt. Aqui, porém, a cartada era bem diferente. O isolamento britânico e a sua preocupação em não se imiscuir nos problemas do continente ditavam-se pelas necessidades de uma economia alicerçada num florescente comércio colonial.
A sua situação financeira era invejável. Em 1792, no dizer de Aucklaund, a velha ilha possuía uma acumulação de riquezas sem exemplo na história do mundo. Os anos de paz que se seguiram à sublevação americana e o génio de Pitt tinham para isso decididamente contrubuído. Desta feita, ao governo britânico não afectava o que concorria para a inquietação geral da Europa. A política interna da França só a ela dizia respeito, conquanto, claro, não brigasse com os singulares interesses ingleses. Ainda nesse ano, há pouco referido, o governo de Londres anunciava a redução do seu poder militar. Nesta conformidade, tudo indicava que os focos de conflito se circunscrevessem às zonas limitadas pelas operações bélicas dos contendores postos em presença: austríacos, prussianos e franceses.
As vitórias destes últimos e a sua rápida expansão para além-fronteiras fizeram ruir essas esperanças. A primeira coligação soçobrava sob os triunfos das armas republicanas, fazendo oscilar perigosamente o equilíbrio continental. A este facto acrescia a vertiginosa evolução dos acontecimentos de que a França era palco: aos 23 de Janeiro de 1793 rolava no patíbulo a cabeça de Luís XVI. A morte do rei não esclarece, por si só, as modificações desde logo operadas na conduta dos diversos governos. Pode, no entanto, ajudar a compreender a súbita viragem da maioria, que do neutralismo expectante passará para uma hostilidade declarada». In Fernando Castro Brandão, A Política Externa Portuguesa e a Aliança Defensiva de 1799 com a Rússia, Elementos para a História Diplomática Portuguesa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, INCM, Lisboa, 1974.

Cortesia da INCM/JDACT