sexta-feira, 11 de julho de 2014

Ciência e Experiência. Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel. Moura Barbosa. «Com base no conceito moderno de experiência (experimentum) e na elaboração da teoria do conhecimento, Hegel desenvolve a sua crítica à filosofia e à ciência moderna, crítica na qual afirma que, as determinações do saber não podem ser externas ao objecto…»

Cortesia de wikipedia

«Quando um saber está maduro para se tornar ciência, precisa necessariamente surgir uma crise; pois torna-se evidente a diferença entre aqueles que cindem o singular e o apresentam cindido e aqueles que têm o universal em vista e gostariam muito de juntar e incluir nele o particular». In Goethe

Experiência versus Experimentum. Hegel e a superação da concepção moderna de experiência
O conceito de experiência, assim como o próprio conceito de ciência, merece na filosofia hegeliana um esclarecimento, pois a primeira difere do modus operandi das ciências experimentais modernas que põem toda ênfase na repetição e na continuidade previsível e calculada. A filosofia como ciência, não tendo o mesmo procedimento das ciências naturais que possuem a matemática como base metodológica, mas procedendo especulativamente, pretende ser a ciência da totalidade, que tem por objecto o Absoluto no seu desdobramento. Essa ciência necessita ser um sistema, pois só sistematicamente é possível essa exposição da verdade em e para si. Nessa totalidade, a filosofia necessitaria de uma mediação, a experiência seria essa mediação na consciência entre o conceito e seu objecto. No entanto, até que ponto essa experiência hegeliana se diferencia da posição epistemológica moderna. Expondo a constituição da experiência moderna e sua relação com a transformação do conceito de Natureza, acentuando a passagem da visão cosmológica antiga, que tinha por objecto uma racionalidade objectiva e ordenadora do mundo, segundo a qual o homem seria um ser contemplativo desta ordem, para a concepção moderna, na qual a realidade é juntar a subjectividade e objectividade, entre homem e natureza. Deste modo, busca-se aqui caracterizar a passagem da experiência qualitativa da natureza para a quantitativa: ver-se-á, por conseguinte, que esta assim denominada experiência moderna seria, assim muito mais, um experimentum, ou seja, uma experiência dominada quantitativamente. No primeiro momento deste capítulo, oferece-se uma tematização do desenvolvimento do método das ciências modernas. Para a filosofia moderna, é preciso aferir a validade e justificar a aquisição do conhecimento, constituindo-se, com isso, numa teoria sobre tal aquisição, denominada propriamente de teoria do conhecimento. Como ressalta Hegel, a teoria do conhecimento manifesta uma influência dos métodos das ciências experimentais e da matemática sobre a filosofia, a qual passa a basear-se na actividade representativa do entendimento, juntando assim a objectividade e a subjectividade. A filosofia que se desenvolveu na modernidade lança mão de um conhecimento que permanece no pórtico do templo do saber, recusando-se a adentrar o próprio templo, sendo esta uma tarefa delegada às ciências particulares, formando um conhecimento sobre o conhecer, antes de um conhecimento efectivo. A consequência última desse processo consiste numa instrumentalização do conhecimento.
Com base no conceito moderno de experiência (experimentum) e na elaboração da teoria do conhecimento, Hegel desenvolve a sua crítica à filosofia e à ciência moderna, crítica na qual afirma que, diversamente ao que o pensamento moderno estabeleceu para si como programa, as determinações do saber não podem ser externas ao objecto, como instrumentos ou meios para a sua apreensão, mas antes são as reflexões objectivas da coisa mesma. Essas reflexões desenvolvem-se pela apresentação, segundo a qual a subjectividade penetra a objectividade, e vice-versa, como resultado do movimento de formação do espírito. Em Hegel, a crítica da teoria do conhecimento-se no movimento do próprio conhecer, movimento este que se constitui numa autocrítica deste conhecer e cujo lugar é a dialéctica mesma da apresentação. Noutras palavras, a exposição da coisa mesma é a própria crítica do conhecimento, sendo prescindível uma anterior teoria do conhecimento. A apresentação supera, assim, a representação que cinde em seu interior forma e conteúdo, sujeito e objecto. Tal posição fragmentária é a do entendimento, que é superado na razão. Deste modo, mostra-se a importância metodológica da concepção de experiência que Hegel articula como alternativa para aquela concepção moderna e que deve servir de fio condutor para a apresentação especulativa da formação do espírito». In Alexandre Moura Barbosa, Ciência e Experiência, Ensaio sobre a Fenomenologia do espírito de Hegel, Editora Universitária, Edipucrs, Porto Alegre, 2010, ISBN 978-85-7430-970-5.

Cortesia de EUniversitária/JDACT