terça-feira, 15 de julho de 2014

Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931). Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil. Ana Caiado Boavida. «Todos os partidos políticos dos últimos 85 anos, além de outros factores de secundária importância, fizeram dela o que quer que seja de triste e de confrangedor»

Cortesia de wikipedia

«(…) Implantado o regime republicano, que perspectivas se abriram para essa mocidade das escolas tão lisonjeada durante os tempos da propaganda oposicionista? O desencanto manifesto nas páginas dos jornais republicanos académicos, poucos meses após a euforia que rodeou a revolução, traduz a existência de um crescente desencontro entre os que aspiram a uma radical transformação das estruturas universitárias e aqueles que, tornados sóbrios e sisudos pelas novas responsabilidades governativas, fazem a apologia da moderação. Enquanto, nas escolas, se reivindica a equidade nas relações docente/discente, a par de uma nova metodologia de ensino, enquanto, em Coimbra, a chamada falange demagógica investe contra os símbolos da tradição (com um programa semelhante ao dos intransigentes da greve de 1907 formou-se em Coimbra, no alvorecer da República, um grupo académico, de renovação democrática, que, a si próprio se denominando de falange demagógica, investiu, em 17 de Outubro, a tiro de cacete, as doutrinas e a decoração da Sala dos Capelos, chegando até a perfurar, à bala, algumas das efígies que ali formam, ainda hoje, a galeria histórica dos monarcas portugueses), António José de Almeida, na sua função de ministro do Interior, declara em plena Assembleia Constituinte que Quem praticou actos dignos de castigo há-de ser castigado, porque é preciso que a ordem se implante, de uma vez para sempre, em Portugal.
Frustrado o radicalismo juvenil perante o evoluir dos acontecimentos e dos actores históricos, iludidas as expectativas numa República afeiçoada aos mais nobres ideais de incorruptível intransigência política, de generosa justiça social, de coerente cumprimento das suas promessas, adiada, enfim, a concretização da Utopia, são encetados outros caminhos, alinhadas outras tendências. Um pouco por todo o lado trabalha-se, de novo, na reorganização do movimento associativo, planejando-se o relançamento da Federação Académica de Lisboa. Em 1913, após um movimento iniciado em Março pela Associação Académica do Instituto Superior do Comércio, logo secundado pelas associações Académicas das Faculdades de Letras e Ciências, da Escola de Medicina Veterinária e dos Institutos Superiores Técnico e de Agronomia, é fundada a tão almejada Federação Académica de Lisboa. Dois anos mais tarde, em Março de 1915, publica-se o primeiro número da Revista da Federação Académica de Lisboa, precioso documento para o estudo do clima ideológico no meio estudantil, cinco anos volvidos sobre o 5 de Outubro e em plena ditadura de Pimenta de Castro.
Os propósitos da Revista, que pretendem ser idênticos aos propósitos da Federação de que é porta-voz, são enunciados no artigo de apresentação. Depois de se declarar que em torno da bandeira da Federação Académica, símbolo da obra de confraternização e progresso que se propõe efectivar, se enfileiram, como soldados do Bem e do Dever, todos os estudantes, prontos a defenderem os seus interesses, que são os interesses da Pátria, é abordado o plano de realizações que a Revista pensa levar a cabo:
  • Propondo-se realizar uma obra verdadeira e acentuadamente patriótica, esforçar-se-á por inserir artigos em que se abordem e discutam principalmente assuntos de interesse nacional, desde a mais simples comemoração histórica que recorde passadas glórias até aos mais complexos e autorizados projectos de comércio, de indústria, de agricultura, de finanças, de colónias, de instrução e educação que possam directamente concorrer para o renascimento português, fazendo ingressar a Nação no movimento moderno, de que anda, infelizmente, tão afastada.
A vocação da academia para os altos voos da história surge-nos, agora, alicerçada nos valores Progresso, Dever, Renascimento e Pátria. Poder-se-á objectar que foi em nome do Progresso e para o Renascimento da Pátria que se difundiu o ideal da República. Nada mais exacto. Simplesmente, antes de 1910 foi o valor máximo República que a academia, com toda a carga de religiosidade e utopismo que caracteriza os grandes impulsos colectivos, orientou a sua acção. Ulteriormente, tanto em 1915 como em 1918 e, mais tarde, em 1926, um vasto sector da juventude, que ainda se reclama do republicanismo, tende a apostar numa revisão das formas que configuram o regime republicano. Neste sentido, muitos apoiam o professor Lino Neto quando este escreve, na Revista da Federação Académica de Lisboa, que a unidade da Pátria está enfraquecida. Todos os partidos políticos dos últimos 85 anos, além de outros factores de secundária importância, fizeram dela o que quer que seja de triste e de confrangedor. Uns poucos, noutro quadrante ideológico, escutam o pedagogo António Sérgio, lêem as suas palavras: Cumpre à mocidade estudar e discutir as questões vitais do seu país, mas de maneira alguma imiscuir-se nas brigas partidárias; o seu dever é exprimir, acima dos partidos (de todos eles) o verdadeiro protesto da Nação [...] Outros há, porém, que, teimosamente fiéis ao ideário que lhes foi legado pelos seus antecessores, acorrem sempre que vêem perigar o sistema republicano liberal e parlamentar». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento Estudantil, Análise Social, vol. XIX, 1983.

Cortesia de Análise Social/JDACT