sábado, 19 de julho de 2014

Conquista de Madrid. 1706. Vieira Borges. «A mortandade que atingiu a Europa com a guerra dos Trinta Anos (1618-1648), e que ceifou a vida a cerca de 8 milhões de vidas humanas, constituiu uma referência de crítica para juristas e filósofos»

Mapa da Península no século XVIII
jdact e sergioveludo

O Rosto da Batalha
«(…) E os pretendentes à coroa espanhola, não eram poucos: uns fundamentavam a sua pretensão em remoto parentesco, como o rei Pedro II de Portugal (descendente de D. Maria, filha dos reis católicos Fernando e Isabel, e mulher do monarca Manuel I), ou mesmo parentesco muito afastado, como o duque de Sabóia (trineto de Filipe II, por sua bisavó D. Catarina); outros tinham maior legitimidade na sua argumentação, como o rei Luís XIV (da parte do seu neto, resultado do seu casamento com a infanta D. Maria Teresa, irmã mais velha de Carlos II), o imperador Leopoldo I da Áustria (sua mãe, D. Maria Ana era irmã de Filipe IV, o pai de Carlos II) e o príncipe da Baviera, José Fernando (neto da infanta D. Margarida Teresa, irmã mais nova de Cados II), que viria a falecer ainda em 1699, frustrando assim os primeiros tratados entretanto acordados em 1698. Depois de inúmeros episódios ao longo dos últimos anos do século XVII, a coroa foi legada, por testamento de 3 de Outubro de 1700, a Filipe de Bourbon, duque de Anjou, neto e pretenso herdeiro de Luís XIV de França, com o apoio tácito do conselho de estado de Castela e da Igreja, este manifestado explicitamente pelo papa Inocêncio XII. Ao aceitar o testamento, Luís XIV sabia que era inevitável a guerra contra os austríacos; mas outros factos concorreram para essa inevitabilidade, entre eles a obrigação do rei de França relativamente aos espanhóis, para que estes lhe concedessem assiento (direito do tráfico de escravos negros com as Índias espanholas), a invasão dos países Baixos espanhóis e a ocupação das praças junto da fronteira com as Províncias-Unidas.
A perspectiva de que as coroas reunidas de França e Espanha viessem a perturbar o equilíbrio europeu com o apoio de dois principados alemães e, no início, de Portugal e do duque de Sabóia, que viriam a alterar a sua posição, levou o imperador da Áustria a aliar-se com Inglaterra, Holanda, Suécia, Dinamarca e quase todos os principados alemães, para imporem acandidatura do arquiduque Carlos de Áustria ao trono de Espanha. Assim, nasceu a7 de Setembro de 1701, em Haia, a Grande Aliança com alicerces lançados pelo duque de Madborough, e que visava impedir a hegemonia francesa e, no fundo, manter o equilíbrio europeu. Entre os objectivos desta Grande Aliança, são de destacar: a satisfação das reivindicações de Leopoldo I da Áustria, à coroa espanhola; a ocupação dos Países Baixos espanhóis para servirem de muralha entre a França e a Holanda, do ducado de Milão com todas as suas dependências e do reino das Duas Sicílias, Nápoles, Sicília e ilhas do mar Mediterrâneo; a posse das praças espanholas na América, eventualmente conquistadas por ingleses e holandeses; e sobretudo, a garantia de que França e Espanha nunca se reuniriam sob a mesma coroa, condição obrigatória para a assinatura da paz.
Filipe de Bourbon, um jovem pouco atraente de 17 anos, viria a ser reconhecido como Filipe V de Espanha, e casou com Maria Luísa de Sabóia então com 13 anos, pelas Cortes reunidas em Madrid e em Barcelona, em Janeiro de 1701, tendo entrado em Madrid, num dia chuvoso de Fevereiro do mesmo ano. Começou então a guerra no norte de Itália, a qual se prolongaria ao longo de cerca de catorze anos, nos teatros de operações mais diversos, como a Alemanha, Países Baixos, norte de França e a própria Península Ibérica entre 1704 e 1713. A guerra só viria a terminar com os tratados de Utreque, de Rastadt e de Baden (1713-1714), curiosamente com o mesmo Filipe V a reinar em Espanha, e com Carlos a ascender ao trono austríaco após a morte de José I.

Actores e Interesses
A mortandade que atingiu a Europa com a guerra dos Trinta Anos (1618-1648), e que ceifou a vida a cerca de 8 milhões de vidas humanas, constituiu uma referência de crítica para juristas e filósofos. Hugo Grotius (1583-1645) foi um dos mais acérrimos críticos do genocídio generalizado, tendo na sua obra De Jure Belli ac Pacis recomendado moderação no combate, na execução de conquistas, no saque do país inimigo e no trato com a população civil. Alguns anos depois, Thomas Hobbes (1588-1679), afirmava, na sua obra Leviathan (1651), como referência da razão, que todo o homem deve procurar a paz, enquanto tiver esperança de obtê-la e quando isso não for possível, pode buscar e utilizar todos os recursos e vantagens da guerra. Este direito da natureza caracterizava o final do século XVII, tendo por base a busca da melhor paz e a utilização de todos os meios para a defesa». In João Vieira Borges, Conquista de Madrid, 1706, Batalhas de Portugal, Tribuna da História, Lisboa, 2003, ISBN 972-8799-08-X.

Cortesia de Tribuna/JDACT