terça-feira, 29 de julho de 2014

As Regências na Menoridade do rei Sebastião. Elementos para uma História Estrutural. Maria do Rosário Azevedo Cruz. «… 11 de Junho de 1557, vendo quam orphaos ficavão os Reinos de Portugal, com hü herdeiro menino, que era seu neto o Principe Dom Sebastião deixou elle declarado em seu testamento, e rogado a Raynha sua molher que ella tomasse a seu cargo a criação de seu neto»

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A Primeira Transmissão de Poderes- 1557. Os termos de uma definição de regência
«(…) Ora, como observa Rebelo Silva, não podemos concluir que D. Catarina tenha recusado a perspectiva política que lhe apontava o imperador, mas só que se recusou a publicar a referida pragmática. Chamando a atenção para os termos da correspondência de Borja com Carlos V, publicada por Gachard e citada por Mignet, Rebelo Silva apresenta uma interpretação divergente da de Barbosa Machado. Com efeito, o jesuíta escrevia na sua carta de 6 de Outubro de 1557 que en attendant, micer Agustino [Carlos V] peut être très satisfait e dois dias depois acrescentava que Catalina Diez [D. Catarina] obéirait à micer Agustino comme pourrait le faire Santiago de Madrid [Filipe II]. E decerto se entendia que nas orientações políticas gerais a colaboração era garantida entre a coroa portuguesa, enquanto representada por D. Catarina, e a castelhana. Para Portugal seria impossível esquecer a ameaça de uma ambição tão antiga como o reino e tão numerosas vezes ensaiada. Posta tantas vezes à prova a segurança da sucessão do trono, tendo o sucessor apenas 3 anos de idade, como se não inquietariam os portugueses à morte do monarca João III, no desconhecimento total em que se encontravam de qualquer acto ou disposições reais no concernente à continuidade do governo? E essa inquietação, patente e confessada pelos colaboradores de el-rei que acompanhavam o féretro de João III até Belém, persistiu durante os primeiros tempos da regência, pois nenhuma disposição geral foi tomada após a aclamação do rei Sebastião. Em 1558 Manuel Costa, professor de Coimbra, insistia na necessidade de se criar direito claro sobre a sucessão na coroa portuguesa; lembrava como surgiam litígios a tal respeito entre parentes, não se resolvendo muitas vezes pelo direito e pelas leis, mas pela guerra e pelas armas; sabia-se como tais casos ocorriam nos outros reinos, apesar de estes problemas terem aí explicitação mais clara nos documentos legislativos.
O direito de sucessão à coroa portuguesa não foi a questão principal a ser resolvida em 1557. Depois da morte do rei, a primeira transmissão de poderes só aludiu aos problemas imediatos do processo governativo, mas em breve eclodiria uma crise política em que as soluções não seriam tão simples. O rei João III morreu numa sexta-feira, 11 de Junho de 1557, no Paço da Ribeira de Lisboa. Rodeado pela rainha, pelo cardeal-infante, pela infanta D. Maria, infanta D. Isabel e seus filhos, por Jorge Silva, filho do regedor de justiça, que, com o rei, dizia o credo, por fr. Gaspar Casal, a quem se acabara de confessar, o rei teria pedido a D. Catarina, antes de morrer, que regesse, e governasse este Reyno com muito amor, e sem escandalo, e que ella com o Infante cardeal Henrique, seu irmão, com dès do Concelho fizessem os despachos de mayor importancia.
A crónica, de autor anónimo, publicada por Luciano Ribeiro também se refere a este pedido de João III ao morrer, declarando a R.ª D. Caterina sua mulher […] por governador de Portugal q aceitou primeiro por serviço de deus e bë destes reynos importunada por El Rey seu marido naquellas horas chegadas à morte em q os rogos soem ser eficazes diante de quë com tanto decoro sabrá guardar as ordens de seu marido e a obrigação q tinha a seus povos e reynos de seu neto. A crónica juntava que ficava tambem antre outros do sangue o Infante cardeal Henrique irmão del Rey difunto em q a Rainha regente podia librar parte de seus trabalhos no governo. Nenhuma outra fonte alude a tal preocupação do rei nos seus últimos momentos. António Castilho refere que o rei viera a falecer algüs dizião que sem testam. nê declaração de guovernador do Rejno e titoria del Rei seu neto. Mas a crónica da Biblioteca da Ajuda atribuída a mestre Afonso Guerreiro declara que ao tempo da morte del Rey Dom João que foi aos 11 de Junho de 1557, vendo quam orphaos ficavão os Reinos de Portugal, com hü herdeiro menino, que era seu neto o Principe Dom Sebastião deixou elle declarado em seu testamento, e rogado a Raynha sua molher que ella tomasse a seu cargo a criação de seu neto; não precisa a data, nem do testamento, nem do pedido. Por seu turno, o escrito sebastianista Discurso da Vida del Rey Dom Sebastião acentua o facto de Sebastião ter entregue o reino a sua avó para que o criasse e governasse por ele.
Após a morte do rei, a rainha recolheu-se no seu oratório, decorrendo depois as cerimónias fúnebres. O conselho foi convocado para o dia 13 de Junho, domingo da Santíssima Trindade. Como narra Manoel Menezes, nesse dia, festa de Santo António, se ajuntarão os do Concelho, para tomarem acordo nas cousas tocantes ao governo do Reyno, e à paz, e soccego delle, e para isto melhor se fazer tratárão de saber se deixára El Rey Testamento, ou algüa lembrança, ou papel, em que se fizesse alguma disposição, por onde elles se pudessem governar, e não se achou mais que hum papel sem ser assinado por El Rey, o qual era instrucção, que deu o Chanceller mòr Gaspar Carvalho, a qual El Rey lhe pedio, como conselho, se licitamête, sem ser cõtra Direito, e sem hir contra sua consciência, poderia por sua morte, deixar a Rainha por Governadora destes Reynos, em quanto o Principe não fosse de idade para poder tomar posse, e reger por si os ditos Reynos. Sobre isto era a instrucção, que o dito Gaspar Carvalho deu a El Rey, porém feita pela mão do Secretario. Então o agente da sua divulgação teria sido Pero Alcáçova Carneiro». In Maria do Rosário Azevedo Cruz, As Regências na Menoridade de D. Sebastião, Elementos para uma História Estrutural, Temas Portugueses, Imprensa Nacional-Cazsa da Moeda, 1992, ISBN 972-27-0527-X.

Cortesia de INCM/JDACT