sexta-feira, 4 de julho de 2014

Estudos de História da Cultura Portuguesa. Linguística e Paleo-Etnologia. Justino Mendes Almeida. «Foi iniciativa de seus filhos, Paula e Luís, correspondendo a uma vontade de seu pai, ou antes, a uma ordem régia, expressa num ‘Prologo em que o autor deregia esta copia de suas obras ao muyto alto & excelso Principe elRey’»

jdact

Copilacam de Todalas Obras de Gil Vicente
«(…) Donde se conclui que haverá, possivelmente, um só exemplar completo, infelizmente no estrangeiro; todos os demais são deficientes, o que acentua a raridade da obra. A que se deve esta escassez de exemplares da Copilacam? Pensamos que, primeiro, porque a tiragem não terá sido elevada; depois, porque a publicação dos autos por miúdo desmotivava quanto à aquisição global da obra; por outro lado, a censura que impendeu sobre as obras de Gil Vicente, com todos os seus rigores, e que não aconselharia a posse de exemplares dessa edição; por último, a existência, com poucos anos de diferença, em 1586, de nova edição, obedecendo às determinações e preceitos do rol dos livros defesos, ou do catálogo dos livros que se proíbem neste reino ou do index auctorum damnatae memoriae, levaria ao desprezo, abandono ou destruição dos exemplares de 1562. Note-se que, tanto quanto pudemos comparar, parece não se registarem no texto destes exemplares diferenças como aquelas que se verificam, por exemplo, nos da edição de 1595 das Rhythmas de Lvis de Camões, que determinaram uma nova edição das Éclogas camonianas (Coimbra, 1973), (…) que as tinha editado de acordo com o exemplar da Biblioteca Nacional de Lisboa (actual BNP), veio a conhecer a nossa edição fac-similada, feita em 1968 com base no exemplar da livraria do rei Manuel II, existente em Vila Viçosa.
São, portanto, os que mencionei os exemplares conhecidos da Copilacam de Todalas Obras de Gil Vicente; de entre eles, um se encontra censurado, o exemplar da Livraria de Mafra, o que lhe dá, carácter particular a merecer uma certa atenção.
A Copilacam de Todalas Obras, na edição de 1561-1562, surgiu p.m. vinte e cinco anos após a morte de Gil Vicente. Foi iniciativa de seus filhos, Paula e Luís, correspondendo a uma vontade de seu pai, ou antes, a uma ordem régia, expressa num Prologo em que o autor deregia esta copia de suas obras ao muyto alto & excelso Principe elRey dom Ioam o terceyro deste nome em Portugal, que nam ouue effeyto, por morte de Gil Vicente, nestes termos: ... Determiaua leyxar minhas miserrimas obras por empremir, porque os antigos & modernos nam leyxaram cousa boa por dizer, nem inuençam linda por achar, nem graça por descobrir ... Finalmente que por escusar estas batalhas & por outros respeytos, estaua sem proposito de emprimir minhas obras se V. A. mo nam mandara, nam por serem dinas de tam esclarecida lembrança, mas V. A. aueria respeyto a serem muytas dellas de deuaçam, & a seruiço de Deos enderençadas, & nam quis que se perdessem, como quer que cousa virtuosa por pequena que seja nam lhe fica por fazer; por cujo seruiço trabalhey a copilaçam dellas com muyta pena de minha velhice & gloria de minha vontade, que foy sempre mais desejosa de seruir a V. A. que cobiçosa de outro nenhum descanso.
O nível de intervenção de Paula e de Luís Vicente deduz-se de dois documentos que precedem a Copilacam. O primeiro é o alvará de privilégio real: EU elRey faço saber aos que este aluara virem, que Paula vicente moça da camara da minha muyto amada e prezada tia me disse que ella queria fazer empremir hum liuro e cancioneyro de todas as obras de Gil vicente seu pay, assi as que atee ora andarão empremidas polo meudo, como outras que o ainda nam foram. Pedindome que ouuesse por bem que por tempo de dez annos nam podessem empremir nem vender o dito cancioneyro senam ella, e as pessoas a que ella pera isso desse licença: e que as ditas obras meudas do dito seu pay, que atee ora andarão empremidas, se nam podessem mais empremir nem vender polo meudo. E visto seu requerimento, e por alguns justos respeytos que me a isto mouem, ey por bem e me praz que fazendo ella empremir o dito cancioneyro de todas as obras do dito seu pay, Empressor algum, nem outra alguma pessoa, possa em meus Reynos e senhorios empremir nem vender o dito cancioneyro ...» In Justino Mendes de Almeida, Estudos de História da Cultura Portuguesa, Academia Portuguesa da História, Universidade Autónoma de Lisboa, O Pernix Lysis, Lisboa, 1996.

Cortesia da Academia P. de História/JDACT