quinta-feira, 17 de julho de 2014

Aspectos das Relações Diplomáticas Luso-Espanholas. 1814-1821. Castro Brandão. «… avultava a devolução do território de Olivença, indevidamente retido pela Espanha desde o Tratado de Badajoz. (…) os contactos sobre Olivença viram-se inexoravelmente postergados, pelo menos por algum tempo»

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«(…) O frémito liberalizador de Cadiz inquietara obviamente a Junta Governativa do Reino. Outrossim, no Rio de Janeiro, redobravam-se as preocupações. Expulsos os franceses e desvanecido o perigo napoleónico, apressaram-se os Governadores do Reino a solicitar o regresso da família real. O rescaldo da guerra acentuara a orfandade governativa do país. Económica e socialmente a conjuntura agravara-se. Só a presença das tropas inglesas e a vigilante autoridade de Beresford conteriam um crescente mal-estar. Indiferente, a corte permanecia no Brasil. Os negócios públicos na metrópole caiam no marasmo. A máquina administrativa, já de si ineficaz, cada vez mais se recente da distância do respectivo centro de decisão. A tal problemática não encontrava o Governo forma de lhe acudir. Surgem, por isso, facções buscando alternativas susceptíveis de salvar o destino de Portugal: a pró-ibérica, sempre presente em épocas de crise; a favorável à substituição da dinastia reinante; e a que simplesmente apostava na mudança de regime.
Com qual se identificaria a conspiração de Gomes Freire não estará aqui em causa. Importante é ter em conta o seu significado como prelúdio da inevitável viragem política posterior. Embora impiedosamente jugulada a cabala do general estimularia o ânimo de muitos indecisos. Tão profunda marca terá deixado, que inoperantes se revelaram as medidas repressivas logo decretadas. O primeiro passo para a mudança havia-se encetado e irreversivelmente. O percurso histórico favorecerá os mais afoitos. A organização clandestina do Sinédrio dera-lhes corpo. Razões e objectivos não faltavam ... O exemplo espanhol era encorajante. Enfim, tudo se conjugava para um acto final que terá lugar a 20 de Agosto de 1820.
Durante este período, expressiva se oferece a similitude dos sucessos ocorridos nos dois países ibéricos. No entanto, padecendo embora de males idênticos, nem assim se mitigou o tradicional contencioso das suas relações. Bem pelo contrário. Desde os alvores do século o confronto avolumara-se. A coligação franco-espanhola sujeitara Portugal à inglória guerra das laranjas. Os anos vindouros em nada alterariam a situação. Coexistindo lado a lado, cada qual sofreria a seu modo as contingências da ocupação estrangeira. Levados a bom termo os movimentos libertadores na Península, coube enfim a oportunidade para novas perspectivas. Quase logo após o regresso de Fernando VII, acreditava-se em Madrid José Luís Sousa Botelho, como Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário (apresenta credenciais a 29 de Julho de 1814, quatro meses após o regresso do monarca espanhol). Esta pronta enviatura reflectiria a determinação de Lisboa em não protelar questões pendentes. E, entre estas, avultava a devolução do território de Olivença, indevidamente retido pela Espanha desde o Tratado de Badajoz. Anteriormente, já o problema havia sido suscitado pelo conde de Palmela, seu antecessor, mas sem qualquer êxito. Agora, depois do apoio português à guerra da independência caberia esperar a grata retribuição, ao menos através de uma atitude contemporizadora.
Nada disso aconteceu, porém. A despeito das insistentes diligências, as respostas foram sempre evasivas. Por esta altura, Setembro de 1814, corre uma notícia que galvanizará todas as atenções: Montevideu, o mais fiel baluarte realista da América espanhola, caíra em poder dos rebeldes. Ao desabar do império acrescia-se nova perda. E todas as preocupações se concentrariam na tentativa de se evitar o descalabro. Exangue, sem meios materiais nem ânimo colectivo, a Madre Pátria entrava em extertor. A confusão inicial dera lugar a medidas de fraco ou nenhum alcance. Os esforços para se aprontar uma esquadra enfrentavam as maiores dificuldades. Em consequência, os contactos sobre Olivença viram-se inexoravelmente postergados, pelo menos por algum tempo.
Assim considerava Sousa Botelho para quem outros aspectos bilaterais, mereceriam igualmente particular empenho. Após anos de litígios e confrontações, chegara talvez o momento propício para os debelar. Restaurado o poder real, desenhava-se a possibilidade de viabilizar soluções até, ali não conseguidas. Apostando nesse factor, o diplomata desenvolverá intensa actuação junto da corte de Madrid. Tal tarefa, porém, envolvia espinhosas dificuldades. Como se disse, ao redor do monarca gravitava uma camarilha de áulicos, entre os quais pontificava o embaixador russo Tattistshef. O seu ascendente sobre Fernando VII derivava, sobretudo, do prestígio que a política hegemónica do Tzar Alexandre alcançara na Europa. Concomitantemente, a fragilidade do trono espanhol tornava-se vulnerável e até dependente do autocrata de São Petersburgo». In Fernando Castro Brandão, Aspectos das Relações Diplomáticas Luso-Espanholas, 1814-1821, separata de A Diplomacia na História de Portugal, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1990.

Cortesia da APdaHistória/JDACT