quarta-feira, 16 de setembro de 2015

As Três Leonores. Uma por cada Guerra. Alexandre Borges. «Coisas do destino, também esta musa se chamava Leonor, dona Leonor Teles Meneses, a terceira Leonor da sua vida, e última, para mal dos seus pecados. Era natural de Trás-os-Montes…»

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«(…) Os combates começaram e Fernando precisava de aliados; ter Aragão do seu lado, por exemplo, era fundamental. Por isso, prometeu aos aragoneses todas as terras que conquistassem, financiando-os ainda com um subsídio, e, para que não houvesse dúvidas de que aquela aliança era verdadeira e para durar, pedia até em casamento a filha do rei, dona Leonor de Aragão. No terreno, espadas, lanças, setas e archotes escreviam o diário de uma batalha sem vencedores. Fernando precisava de desequilibrar as forças, de modo que se dirigiu directamente ao adversário e começou a subornar fidalgos castelhanos com terras em Portugal. Em certas localidades de Castela, chegou a ser reconhecido como rei, mas, na prática, isso estava longe de acontecer.
A guerra, é claro, tinha dois sentidos e Henrique de Trastâmara acabou por transpor a fronteira. Toma Braga, falha Guimarães e arrasa Trás-os-Montes. O cenário punha-se difícil para as hostes fernandinas... Felizmente para o rei português, nunca faltou quem visse em tempo de crise uma oportunidade: lá longe, bem a sul, o rei mouro de Granada, percebendo que Henrique concentrava esforços militares no Norte de Portugal, viu a porta aberta pata tentar tomar a Andaluzia. Dividido entre dois fogos, Henrique voltou atrás e foi estancar a nova ferida que se abria. Empatados, desgastados e, enfim, tomados de algum pragmatismo, Fernando I de Portugal e Henrique de Castela decidem assinar as pazes.
O tratado foi assinado em Alcoutim, a 31 de Março de 1371, mas, como Fernando se revelava já um terrível negociador, para não dizer que sofria de uma constrangedora falta de memória, aceitou como condição casar com a filha de Henrique, dona Leonor de Castela, desprezando o facto de se haver já comprometido com o mesmo a outra Leonor, filha do rei de Aragão. Furioso, o monarca aragonês vingou-se no primeiro português que the apareceu à frente: o pobre Afonso Baraceiro, tesoureiro que lhe ia entregar o costumeiro subsídio de guerra e que acabou lançado aos calabouços por razões que talvez nunca tenha chegado a deslindar.
Entre o esforço de guerra, os subsídios, os subornos e as condições dos tratados de paz, Fernando  I tinha já conseguido cavar um magnífico buraco nas contas nacionais. No mercado interno, começam a faltar géneros e, nas ruas das principais cidades portuguesas, surgem os primeiros sinais de fome. Agora, tudo recomendaria um serenar de ânimos. De nada valia chorar sobre o leite derramado. Uma sequência de erros tremendos tinha sido cometida, mas, com a paz de volta, cabia aa rei Fernando concentrar-se na recuperação da economia nacional e dedicar algum tempo livre à preparação do matrimónio com dona Leonor de Castela.
Acontece que o belo Fernando I, o formoso Fernando I, tinha um coração fraco. Era um jovem impressionável, cheio de sentimentos. Então, um dia, pondo os olhos numa jovem dama que havia chegado à corte para visitar a irmã, decidiu imediatamente que seria sua, que casariam, não importava que estivesse novamente prometido em casamento a outra; não importava que ela própria fosse já casada. Coisas do destino, também esta musa se chamava Leonor, dona Leonor Teles Meneses, a terceira Leonor da sua vida, e última, para mal dos seus pecados. Era natural de Trás-os-Montes e tinha casado aos 15 anos com João Lourenço Cunha, senhor de Pombeiro. Coisa pouca para um rei do calibre de Fernando I... Rapidamente, tratou de se conseguir a anulação daquele infeliz matrimónio: baseou-se o argumento na acusação de dona Leonor Teles de que João era impotente, devidamente corroborada por Fernando I que logo explicou que a recebera ainda virgem, fenómeno extraordinário, tendo em conta que já tinha um filho». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Estrelas, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia de CdasLetras/JDACT