sexta-feira, 19 de outubro de 2018

O Amante de lady Chatterley. D. H. Lawrence. «Os três tinham afirmado que viveriam sempre juntos. Mas, agora, Herbert estava morto, e sir Geofrey queria que Clifford casasse. Geoffrey mal tocava no assunto»

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«(…) Eram honestas em relação ao problema dos Tommies, e à ameaça de recrutamento e à escassez de açúcar e de caramelos para as crianças. Evidentemente, que por este estado de coisas as autoridades estavam a laborar ridiculamente num erro. Mas Clifford não podia tomar isto muito a peito; para ele, as autoridades eram ridículas não por causa dos caramelos ou dos Tommies. E as autoridades sentiam-se ridículas e comportavam-se de uma forma bastante ridícula, e tudo aquilo pareceu durante algum tempo uma festa em casa de um louco. Até que as coisas chegaram a este ponto no continente, e Lloyd George vinha salvar a situação na ilha. Isto ultrapassava os limites do ridículo, os jovens irreverentes deixaram de rir. Em 1916 Herbert Chatterley foi morto; assim, Clifford passou a ser o herdeiro. Até com isso ficou aterrorizado, a sua importância como filho de sir Geoffrey e senhor de Wragby estava tão arraigada nele que não se podia libertar. E, apesar de tudo, sabia também que isto era ridículo aos olhos do imenso mundo em agitação. Agora era herdeiro e responsável por Wragby. Era uma situação terrível e esplêndida e, ao mesmo tempo, talvez, profundamente absurda. Geoffrey não compreendia o absurdo de tudo aquilo. Era pálido e tenso, reservado, obstinadamente decidido a salvar o seu país e a sua posição, fosse Lloyd George quem fosse. Estava tão isolado, tão separado daquela Inglaterra que era a verdadeira Inglaterra, tão profundamente incapacitado, que tinha mesmo boa opinião de Horatio Bottornley. Geoffrey lutava pela Inglaterra e por Lloyd George como os seus antepassados tinham lutado pela Inglaterra e por São Jorge, e nunca compreendeu que havia uma diferença. Assim, sir Geoffrey deitava as suas árvores abaixo e defendia Lloyd George e a Inglaterra, a Inglaterra e Lloyd George. E queria que Clifford casasse e lhe desse um herdeiro. Clifford reconhecia que o pai era um anacrónico incurável, mas o único ponto em que estava mais evoluído era exactamente no sentido de ridículo em relação a todas as coisas, e no imenso ridículo da sua própria posição. Porque, quer fosse desejado ou indesejado, assumiu a baronia e Wragby com a maior seriedade. O entusiasmo alegre da guerra desaparecera. Morrera. Havia demasiada morte e horror. Um homem precisava de apoio e de conforto, tinha necessidade de uma âncora num mundo seguro. Um homem precisava de uma esposa. Os Chatterley, dois irmãos e uma irmã, por estranho que pareça, tinham vivido sempre isolados, fechados em conjunto em Wragby, apesar de todas as suas relações pessoais. Uma sensação de isolamento reforçara os laços de família, uma sensação de fragilidade da sua posição, de carência de defesas, apesar do título e da propriedade, ou talvez por causa disto. Viviam afastados desse Midlands industrial no qual tinham passado as suas vidas. Viviam afastados das pessoas da sua classe, pelo carácter instável, obstinado, taciturno, de sir Geoffrey, o pai, de quem escarneciam, mas a quem eram muito sensíveis.
Os três tinham afirmado que viveriam sempre juntos. Mas, agora, Herbert estava morto, e sir Geofrey queria que Clifford casasse. Geoffrey mal tocava no assunto, falava muito pouco. Mas a insistência silenciosa, melancólica, de que assim deveria ser fora para Clifford difícil de suportar. Mas Emina disse Não! Era dez anos mais velha do que Clifford e sentia que o casamento dele seria uma deserção e uma traição a tudo aquilo por que tinham lutado os jovens da família. Apesar disso, Clifford casou com Connie e teve o seu mês de lua-de-mel com ela. Foi no terrível ano de 1917, e viviam tão intimamente como duas pessoas que se mantêm unidas num navio prestes a afundar-se. Ele era virgem quando casou e a parte sexual não tinha para ele grande significado. Eram tão íntimos, ele e ela, independentemente disso! E Connie sentiu-se feliz com essa intimidade que estava para além do sexo, para além da satisfação do homem; Clifford, de qualquer forma, interessava-se menos por essa satisfação do que a maior parte dos homens. Não, a intimidade era mais profunda, mais pessoal do que isso, e o sexo era apenas um acidente, ou um complemento, um desses processos curiosamente obsoletos, orgânicos, que persistem na sua própria inépcia, mas não são na realidade necessários. Connie, porém, queria filhos, quanto mais não fosse para a proteger contra a cunhada Emina. Mas, nos princípios de 1918, Clifford foi reenviado para Inglaterra aos poucos, e não haveria filhos. E sir Geoffrey morreu de desgosto.
Connie e Clifford foram para Wragby no Outono de 1920. Miss Chatterley, indignada ainda com a deserção do irmão, tinha saído de casa e vivia num pequeno apartamento em Londres. Wragby era uma casa comprida, baixa e antiga de pedra castanha, principiada a construir nos meados do século XVIII e sucessivamente aumentada, sem no entanto ter um estilo definido. Edificada numa elevação no meio de um parque antigo e belo com carvalhos, mas podia-se ver a pouca distância a chaminé da hulheira de Tevershall, com as suas nuvens de vapor e fumo e, na distância húmida e enublada da colina, a aldeia de Tevershall toscamente dispersa, uma aldeia que começava quase nos portões do parque e se estendia numa grande extensão sinistra, feia e profundamente esmagadora: casas, filas de pequenas casas de tijolo, miseráveis, pequenas, enegrecidas, com telhados pretos de ardósia, com ângulos pontiagudos e de aspecto sombrio, intencional e inexpressivo». In D. H. Lawrence, O Amante de lady Chatterley, 1928, Relógio D’Água Editores, Ficções, 2011, ISBN 978-972-708-848-1.

Cortesia de RD’ÁguaE/JDACT