quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Herdeiros do Ódio. VC Andrews. «O meu irmão e eu escondíamo-nos algures perto da porta e, depois de o pai pronunciar a saudação ritual, saíamos a correr detrás da poltrona ou do sofá…»

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Adeus, Pai
«Na verdade, na década de 1950, quando ainda era muito jovem, acreditava que a minha vida seria um longo e perfeito dia soalheiro de Verão. Afinal, foi assim que começou. Não há muito que possa dizer a respeito da nossa infância, senão que foi muito boa e, por isso, devia sentir-me eternamente grata. Não éramos ricos nem pobres. Se nos faltava algo necessário, nunca o percebi; se tínhamos luxo, também não me dava conta disso sem comparar o que tínhamos com o que tinham os outros; e, no bairro residencial de classe média onde morávamos, ninguém tinha mais nem menos do que nós. Por outras palavras, simples e concisas, éramos apenas crianças comuns, como quaisquer outras. O nosso pai era o relações-públicas de urna grande fábrica de computadores localizada em Gladstone, na Pensilvânia, uma cidade com 12 602 habitantes. Era um homem muito bem-sucedido, pois o patrão vinha muitas vezes jantar connosco e elogiava o trabalho que ele parecia executar tão bem.
O que cativa toda a gente é essa cara tão tipicamente americana, sincera, bonita, somada aos seus modos encantadores. Céus, Chris, que pessoa sensata conseguiria resistir a um tipo como você? Eu concordava entusiasticamente. O nosso pai era perfeito. Tinha um metro e oitenta e cinco, pesava quase noventa quilos, com farto cabelo loiro encaracolado; os seus olhos, de um azul-cerúleo, cintilavam de riso, do seu grande entusiasmo pela vida e por divertir-se. Tinha um nariz aquilino, perfeito, nem comprido, nem estreito ou demasiado largo. Jogava ténis e golfe como um profissional; nadava tanto que se mantinha bronzeado o ano inteiro. Estava sempre a viajar de avião, em negócios, para a Califórnia, Florida, Arizona, Havai, ou mesmo para o estrangeiro, enquanto permanecíamos em casa aos cuidados da nossa mãe. Sempre que ele entrarva pela porta no final das tardes de sexta-feira, todas as sextas-feiras (declarava-se incapaz de ficar longe de nós por mais de cinco dias seguidos), o sol brilhava quando ele nos sorria largamente, cheio de felicidade, mesmo que estivesse a chover ou a nevar. A sua sonora saudação ecoava assim que ele largava no chão a mala e a pasta: se me amam, venham receber-me com beijos!
O meu irmão e eu escondíamo-nos algures perto da porta e, depois de o pai pronunciar a saudação ritual, saíamos a correr detrás da poltrona ou do sofá e atirávamo-nos para aqueles braços abertos que nos envolviam de imediato, apertando-nos, enquanto nos aquecia os lábios com os seus beijos. As sextas-feiras eram os melhores dias da semana, pois traziam o pai de volta. Ele tinha sempre nos bolsos pequenos presentes para nós; na mala, vinham os maiores, a serem distribuídos depois de ele cumprimentar a nossa mãe, que se mantinha um pouco afastada e esperava pacientemente até ele terminar
de nos abraçar». In VC Andrews, Herdeiros do Ódio, 1979, Oficina do Livro, Quinta Essência, 2014, ISBN 978-989-726-144-2.

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