quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892). Adriana Mello Guimarães. «Somente neles alargaram, floresceram, frutificaram: em nós estão latentes e tácitas. O brasileiro é a expansão do português»

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Com a devida vénia à Doutora Adriana M. Guimarães

A Revista de Portugal e a mentalidade oitocentista
«(…) A Revista de Portugal, e em particular o seu director, Eça de Queirós, nos chama a atenção porque a sua actuação jornalística se repercutiu simultaneamente nos dois lados do Atlântico. Através do jornalismo, o escritor expressou ideias e atitudes de forma inovadora, e até mesmo revolucionária, se considerarmos o efeito corrosivo e transformador de seu humour crítico e caricatural sobre o imaginário dos leitores. Como explicar, entretanto, que a sua presença jornalística tivesse o mesmo êxito em contextos tão distanciados entre si, depois de o Brasil se ter emancipado de Portugal? Acreditamos que, pelo menos em parte, a resposta pressupõe, além da origem cultural comum dos leitores portugueses e brasileiros, uma mesma aspiração de transformações modernizadoras tanto em Portugal como no Brasil. Nestas condições, o jornalismo da Revista de Portugal abriu um diálogo entre os dois países perspectivando a liberdade e o futuro, e não o passado.
Questões tão diversas quanto as da circulação monetária, a instauração da República no Brasil, a instrução primária em Portugal, o Ultimatum, a Comuna de Paris, o crescimento urbano e desenvolvimento industrial, as novas ideologias, a filosofia no século XIX, os romantismos, o realismo e o naturalismo na arte e na literatura, estavam presentes na Revista de Portugal. Além disso, este foi o veículo privilegiado para a publicação de variada poesia e das ficções A correspondência de Fradique Mendes e As minas do rei Salomão. E todos estes diferentes temas correspondem ao imbricamento entre tradição e modernidade. Aparentemente não existia uma ideologia política subjacente à linha redactorial. Ao observarmos o Programa de apresentação a Revista de Portugal afirmava-se aberta as discussões da Política (1995). Tal ideia é reforçada na carta de 7 de Agosto de 1981, que Eça enviou a Rodrigues de Freitas, onde afirma: a Revista é um campo aberto a todas as opiniões. Porquê o título Revista de Portugal? Antes de mais, convém sublinhar que o título duma publicação periódica é (…) o seu cartão de apresentação e que todos os títulos têm uma missão muito clara: identificar um periódico. No nosso caso, o título Revista de Portugal, à primeira vista, teria um carácter simplesmente referencial e situaria geograficamente o público destinatário da edição. Como justificar, então, a ambição queirosiana que a revista fosse lida tanto no Brasil como em Portugal? Do nosso ponto de vista, embora existisse uma verdadeira polifonia ligada à palavra brasileiro (nas Farpas de 1872 Eça escreveu uma polémica crónica sobre o brasileiro. Nós acreditamos que o texto foi elaborado de forma ambígua, tanto para criticar o português como para demonstrar que não concordava com a forma da vida que se levava no Brasil. Note-se, desde já, o que Sampaio Bruno destacou: o brasileiro tornara-se para o português o tipo de um grotesco infinito. De longe se lhe atribuíam todos os vícios, todos os dislates, toda a sordidez possível e impossível […] Dava-se uma coisa insensata: Portugal não tomava a sério o Brasil, Bruno, 1997. Esta era justamente a imagem que o jovem Eça tinha do Brasil. No entanto, Bruno, esclarece que o nosso brasileiro, assim lhe chamamos, porque nosso seja. Nosso pela origem, pelas inclinações, pelos costumes. É o português repatriado. É o torna, viagem. De forma a evitar outras interpretações, ao reeditar As Farpas em livro, Uma campanha alegre, 1890, o próprio Eça também alterou de maneira significativa o seu texto original, provavelmente para evitar equívocos, e subtilmente, ele deixa claro que está a falar na caricatura do imigrante português. Na segunda versão do texto, brasileiro é claramente o português enriquecido no Brasil e que volta à pátria de origem: há longos anos o Brasileiro, não o brasileiro brasílico, nascido no Brasil, mas o português que emigrou para o Brasil, é entre nós o tipo de caricatura mais francamente popular. Cada nação possui assim um tipo criado para o riso público. […] Nós temos o brasileiro: grosso, trigueiro com tons de chocolate, pança ricaça, joanetes nos pés, colete e grilhão de ouro, chapéu sobre a nuca, guarda-sol verde, a vozinha adocicada, olho desconfiado, e um vício secreto. Ao reforçar a figura do brasileiro como torna-viagem, Eça elimina toda a ambiguidade presente na crónica de 1872), julgamos que Eça entendia o Brasil como um prolongamento de Portugal:

Pois bem! É uma torpe injustiça que seja assim. E nós portugueses fazemos facciosamente mal em nos rirmos dos brasileiros! Porque enfim, eles vêm de nós! As suas qualidades tiveram o seu gérmen nas nossas qualidades. Somente neles alargaram, floresceram, frutificaram: em nós estão latentes e tácitas. O brasileiro é a expansão do português. Queirós, 2004.

De facto, a ideia de que o Brasil seria uma extensão de Portugal já está patente n’O Distrito de Évora: Portugal em toda a sua história tem sempre provado que não é necessário que um povo seja numeroso para ser grande. Ainda que pequeno soube disseminar-se pelo mundo e criar outros povos. E um deles é o Brasil. Acresce, ainda, o pensamento de Elza Miné: evidencia-se nas suas colaborações como correspondente, que é Portugal que está sempre pelo avesso. O Brasil é uma entidade remota, vaga, esparsamente referida». In Adriana Mello Guimarães, A Modernização, Problema Cultural Luso - Brasileiro, Um Estudo em Torno da Revista Portuguesa (1889-1892), Tese de Doutoramento em Literatura, Évora, Instituto de Investigação e Formação Avançada, Setembro de 2014.

Cortesia de UdeÉvora/IIFA/JDACT