domingo, 14 de outubro de 2018

A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar. Hugo M. P. Calado. «As deslocações periódicas de rebanhos estavam também inseridas nas relações fronteiriças da Idade Média entre Portugal e Castela»

Cortesia de wikipedia e jdact

Com a devida vénia ao Mestre Hugo Calado

O castelo de noudar e a defesa do património nacional
A Fixação de uma Comunidade Humana. Outros factores
«(…) Como já foi referido anteriormente, as capacidades do solo circundante a Noudar são muito pobres e com poucas possibilidades agrícolas, embora algumas áreas cultivadas tenham algumas possibilidades de desenvolvimento, nomeadamente no domínio da pastorícia. A plantação da azinheira e a vegetação natural de esteva são as culturas predominantes nesta zona de grandes planícies, sendo que os montados de azinho são importantes na criação de porcos, reunidos em grandes varas.
Se o solo não dá pão, então a pastorícia é uma alternativa, sendo os ovinos e caprinos fornecedores de produtos com bastante importância na vida das populações raianas e um dos seus principais meios de subsistência, se não o principal. São espécies que se adaptam aos solos pobres sem grandes pastos, e onde introduzidos, conseguem ser animais rentáveis, pois a obtenção de lã era a finalidade da criação de rebanhos de ovelhas, embora a sua carne pudesse ser também consumida. A venda de cabeças de gado também estava nas intenções dos proprietários dos animais, para a obtenção de lucro, cuja totalidade da venda do rebanho tinha vários destinos, sendo um deles os ordenados dos pastores. Estes últimos recebiam como salário parte dos produtos do rebanho, pago em queijo, manteiga, lã e uma parte das crias, pois os ordenados dos pastores, até ao século XV, só esporadicamente são pagos em dinheiro. O proprietário do rebanho e o pastor são aqui duas pessoas que se relacionam entre si, através de certas disposições que se deviam cumprir quando o dono dos animais contratava alguém para tomar conta dos mesmos.
A transumância, devido ao relevo e ao clima, exerce influência sobre populações que vivem em zonas pouco férteis. Esta deslocação periódica de rebanhos e homens através de longos percursos de espaço e tempo, é um factor importante da relevância da pastorícia como forma de subsistência e mesmo riqueza, seja daqueles que possuíam os rebanhos, ou então dos que o guardavam e faziam disso o seu modo de vida. Devido às grandes distâncias que a actividade provocava, era necessária uma organização bastante cuidada, pois os gados deslocavam-se para muito longe, à procura dos melhores pastos. Em Portugal, essa organização era imposta pelo interesse do poder central neste tipo de actividade, que conferia a responsabilidade organizacional da mesma às autoridades municipais. Em Castela, era a Mesta que exercia essa organização, auxiliada pelo poder central, ou muitas vezes desavinda com o mesmo.
Os pastores da região da Serra da Estrela, de Abril a Novembro, com os seus rebanhos, permaneciam no mesmo local, saindo no dia de S. Martinho, dirigindo-se depois para os pastos de Inverno, no Vale do Douro, Beira Baixa e Alentejo. Os rebanhos de Entre Tejo e Odiana deslocavam-se para a Estremadura, zona mais segura. A transumância implicava a utilização das chamadas canadas, que se destinavam à sua circulação, transgredindo os gados os limites e privilégios dos locais que atravessavam. Eram então necessárias compensações pelos estragos causados pelos animais, criando-se um imposto, o chamado montado, que incidia sobre os pastos e que foi generalizado por todo o reino. Sabemos da existência do montado na vila de Noudar, através do foral manuelino de 17 de Outubro de 1513, onde o rei faz saber que todos os pastos do termo da vila pertencem à Ordem de Avis, e que ninguém lá entrará ou pastará gado, sejam vizinhos ou pessoas de fora, portugueses ou castelhanos, a não ser que acordem com os proprietários da terra a autorização de pasto, de acordo com o preço que os mesmos se farão pagar.
As deslocações periódicas de rebanhos estavam também inseridas nas relações fronteiriças da Idade Média entre Portugal e Castela. As deslocações de gados muitas vezes não conheciam fronteiras, políticas ou regionais, pelo que era necessário regular as entradas em zonas de pastagem para lá dos limites fronteiriços de um reino. Havia rebanhos vindos de Castela em Portugal, pois os percursos entre os pastos de Verão e os de Inverno para oriente eram longos e difíceis. Os rebanhos de Portugal também podiam passar para o outro lado da fronteira, à procura de melhores pastos, havendo então uma reciprocidade de passagens de gado de ambos os lados da fronteira, e o Alentejo, nos séculos XV e XVI, é uma das grandes zonas de passagem de gados de Castela que entram em Portugal, sendo Noudar uma das portas de entrada para esses gados transumantes, embora a maioria dos gados que entram pelo Sul de Portugal, pelo Alentejo, se dirijam para os Campos de Ourique». In Hugo Miguel Pinto Calado, A Raia Alentejana Medieval e os Pólos de Defesa Militar, O Castelo de Noudar e a Defesa do Património Nacional, Tese de Mestrado em História Regional e Local, Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de História, 2007.
                                                                                                                      
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