quinta-feira, 6 de junho de 2019

A Rainha Liberdade. A Guerra das Coroas. Christian Jacq. «… aumentar ainda mais a dimensão do seu Império, que era já o mais vasto alguma vez conhecido. A Núbia, Canaã, a Síria, o Líbano, a Anatólia, Chipre…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Sentado à esquerda de Apopis, Imperador dos Hicsos, o general de transportes sentia-se pouco à-vontade. Gozava, no entanto, de uma honra muito desejada: assistir, na companhia do soberano mais poderoso do mundo, à prova do touro de que os habitantes de Auaris, capital do Império situada no delta do Egipto, falavam com pavor sem saberem exactamente de que se tratava. Instalados numa plataforma, os dois homens dominavam uma arena e uma construção circular chamada o labirinto, de onde ninguém, segundo se dizia, saía vivo. Pareces muito nervoso observou Apopis, com a sua voz rouca que gelava o sangue. É verdade, Majestade... O vosso convite para aqui, para o palácio... Não sei como vos hei-de agradecer respondeu o oficial superior, gaguejando e sem se atrever a olhar o Imperador, cuja fealdade era impressionante. Grande, de nariz proeminente, faces flácidas, ventre proeminente, pernas grossas, Apopis só se permitia dois adornos: um escaravelho em ametista montado num anel de ouro no dedo mínimo da mão esquerda e, ao pescoço, um amuleto em forma de cruz egípcia, que lhe dava o direito de vida e de morte sobre os seus súbditos. Amado do deus Set, Apopis proclamara-se Faraó do Alto e do Baixo Egipto e tentara fazer inscrever os seus nomes de coroação na árvore sagrada da cidade santa de Heliópolis. Mas as folhas tinham-se mostrado rebeldes, recusando aceitá-lo. Apopis assassinara então o Sumo Sacerdote, ordenara o encerramento do templo e afirmara que o ritual decorrera correctamente. Há algum tempo, o Imperador andava contrariado.
Nas Cíclades, o almirante Jannas, asiático implacável e notável guerreiro, perseguia piratas que ousavam atacar a frota mercante do Império. Na Ásia, diversos pequenos principados manifestavam veleidades de independência que as tropas de elite sufocavam à nascença, massacrando os revoltosos, queimando as aldeias e reunindo rebanhos de escravos. Estes episódios serviam o grande desígnio de Apopis: aumentar ainda mais a dimensão do seu Império, que era já o mais vasto alguma vez conhecido. A Núbia, Canaã, a Síria, o Líbano, a Anatólia, Chipre, as Cíclades, Creta e os mercados da Ásia baixavam a cabeça diante dele e receavam a sua potência militar. Mas era apenas uma etapa e os invasores hicsos, reunindo soldados oriundos de diversas etnias, tencionavam prosseguir a sua conquista do mundo. Um mundo de que o Egipto era o centro.
Esse Egipto dos Faraós que a onda hicsa submergira com uma facilidade surpreendente, pondo fim a longos séculos de civilização baseada em Maet, a justiça, a rectidão e a solidariedade. Fracos combatentes, os egípcios não tinham sabido opor-se à força brutal e às novas armas dos invasores. Faraó, agora, era ele, Apopis. E instalara a sua capital em Auaris, um lugar de culto de Set, o deus do raio e da violência, que o tornava invencível. A povoação tornara-se a principal cidade do Médio Oriente, dominada por uma cidadela inatacável de onde o Imperador gostava de contemplar o porto, cheio de centenas de navios de guerra e de comércio. De acordo com o desejo de Apopis, Auaris apresentava-se como uma gigantesca caserna, um paraíso para os militares servidos por egípcios escravizados. E, no entanto, era no Sul desse Egipto vencido e espezinhado que uma incrível revolta se iniciara! Em Tebas, obscura cidade agonizante, um reizinho chamado Seken e a sua esposa Ah-hotep, tinham ousado pegar em armas contra o Imperador. Como estão exactamente as coisas, general? A situação está controlada, Majestade.
Em que ponto se situa a frente? Em Cusae, Majestade. Cusae... Essa cidade não fica trezentos e cinquenta quilómetros a norte de Tebas? Mais ou menos, Majestade. Isso significa portanto que o ridículo exército de Seken conquistou um vasto território..., vasto demais. Oh, não, Majestade! Os revoltosos tentaram um ataque relâmpago descendo o Nilo a uma velocidade surpreendente, mas não consolidaram o seu domínio sobre as províncias atravessadas. Na realidade, a sua acção foi mais espectacular do que perigosa. Mesmo assim, sofremos vários revezes. Esses insurrectos apanharam alguns destacamentos de surpresa! Mas reagi muito rapidamente e detive o seu avanço. À custa de graves perdas, ao que consta». In Christian Jacq, A Rainha Liberdade, A Guerra das Coroas, ISBN 978-852-861-216-5, Bertrand Editora, 2006, ISBN 978-972-251-281-7.

Cortesia de BEditora/JDACT