sexta-feira, 21 de junho de 2019

A Rainha Liberdade. A Guerra das Coroas. Christian Jacq. «Recuso. Tão frágil frente à magnífica jovem morena de fascinante encanto, Teti, a Pequena, não cedeu»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Desde que o cadáver do marido fora trazido da frente para o navio-almirante, a jovem Rainha de trinta e dois anos nunca mais o abandonara. Um cadáver martirizado, atingido por vários ferimentos mortais, que a mumificação deixara aparentes por ordem de Ah-hotep. Não queria apagar os vestígios da coragem de Seken, que se batera sozinho contra uma horda de hicsos antes de sucumbir. A sua bravura cerrara as fileiras dos egípcios, aterrorizados pelos carros de guerra puxados por cavalos, uma arma nova e temível. Proveniente de uma família pobre, Seken apaixonara-se perdidamente por Ah-hotep, que admirava aquele ser puro e nobre, ébrio de liberdade e pronto a sacrificar a vida para devolver ao Egipto a sua passada grandeza. De mãos dadas, Seken e Ah-hotep tinham enfrentado múltiplas provas antes de poderem atacar as posições hicsas a norte de Tebas e começar assim a alargar o cerco. Ah-hotep tivera a ideia de criar uma base secreta onde os soldados do exército de libertação seriam preparados para o combate e confiara a Seken a tarefa de concretizar o projecto. Como Rainha do Egipto, fora Ah-hotep a reconhecer Seken como Faraó, uma pesada função da qual ele se mostrara digno até ao último suspiro. Embora o Império das Trevas tivesse feito da existência do par real um caminho de lágrimas e de sangue, Ah-hotep recordava os raros e intensos momentos de felicidade partilhados com Seken.
No seu coração, permaneceriam para sempre a juventude, a força e o amor. Parecendo extremamente frágil, a Rainha-Mãe Teti, a Pequena, desceu ao túmulo onde a filha meditava. Sempre impecavelmente vestida e maquilhada, a idosa dama lutava com obstinação contra a fadiga surda que a obrigava a fazer uma longa sesta e a deitar-se cedo. Abalada pela morte do genro, receava que Ah-hotep já não tivesse a energia necessária para sair do seu sofrimento. Deverias alimentar-te sugeriu-lhe. Como Seken é belo, não é verdade? Temos de esquecer os seus horríveis ferimentos e pensar apenas no rosto orgulhoso e determinado do nosso Rei. Ah-hotep, tu hoje és a soberana do país. Todos esperam as tuas decisões. Fico ao pé do meu marido. Velaste-o de acordo com os nossos rituais, a mumificação terminou. Não, mãe, não...
Sim, Ah-hotep. E compete-me a mim pronunciar as palavras que receias ouvir: chegou a hora de proceder à cerimónia dos funerais e fechar o túmulo. Recuso. Tão frágil frente à magnífica jovem morena de fascinante encanto, Teti, a Pequena, não cedeu. Comportando-te como uma chorona, trais o Faraó e tornas o seu sacrifício inútil. Agora, ele deve viajar para as estrelas e nós continuar a luta. Dirige-te a Karnak onde os sacerdotes farão de ti a incarnação de Tebas a Vitoriosa. O tom imperioso da mãe surpreendeu Ah-hotep e as suas palavras trespassaram-na como outras tantas punhaladas. Mas Teti, a Pequena, tinha razão. Sob poderosa escolta e acompanhada pelos dois filhos, Kamés de catorze anos e Ahmés de quatro, Ah-hotep apresentou-se no templo de Amon de Karnak onde os ritualistas não cessavam de cantar hinos pela imortalidade da alma real. Desde a ocupação hicsa que Karnak não beneficiava de qualquer ampliação. Protegido por uma cerca, o templo era composto por dois santuários principais, um de pilares quadrados e outro de pilares em forma de Osíris que proclamavam a ressurreição do deus assassinado pelo seu irmão Set. De acordo com uma previsão, a capela contendo a estátua de Amon, o Escondido, abrir-se-ia por si mesma se os Egípcios conseguissem vencer os Hicsos». In Christian Jacq, A Rainha Liberdade, A Guerra das Coroas, ISBN 978-852-861-216-5, Bertrand Editora, 2006, ISBN 978-972-251-281-7.

Cortesia de BEditora/JDACT