segunda-feira, 24 de junho de 2019

Júlio Dinis. Poesias. Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho). «Tudo isso era ilusão, simples quimera, que aos vinte anos sonhamos acordados; curta página a sorte te escrevera…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A meu irmão
«Também tu, meu irmão, inda aos vinte anos,
Dizes ao mundo teu extremo adeus!
Deixas-me só e partes!, os arcanos
Vais da vida sondar aos pés de Deus?
Inda há bem pouco aspirações ridentes,
Despertadas ao sol da juventude,
Te apontavam futuros resplendentes
De mil glórias, de amor e de virtude.
Há pouco em devaneios tão risonhos,
Cantavas em sentida poesia
As meigas ilusões, dourados sonhos
Que te adejavam sempre à fantasia.
Há pouco tu julgavas do horizonte
Ver dum belo porvir sorrir-te a aurora,
Bem como a áurea luz c’roando o monte,
Do Sol precede a chama animadora.

Tudo isso era ilusão, simples quimera,
Que aos vinte anos sonhamos acordados;
Curta página a sorte te escrevera
No grande livro incógnito dos fados
E enquanto descuidado te entregavas
Aos sonhos da exaltada fantasia,
Sob a flores vereda que trilhavas
A morte, a fria morte, se escondia!
Tu viste uma por uma emurchecerem
As mais viçosas flores da tua vida;
E as esperanças seu verdor perderem
Com a aridez da existência desflorida.
E a vida te pareceu áspero deserto,
Assim desguarnecida de ilusões,
De laços materiais cedo liberto
Remontaste às celestes regiões.

Não te lamento, irmão; a tua sorte,
Ao que padece, inveja só produz;
Porque às trevas finais da hora da morte
Seguem-se anos sem fim de imensa luz.
Eras justo, no Céu gozas a palma,
Que ao mundo, aqui debalde pedirias,
E os anjos acolheram a tua alma
Num coro de suaves harmonias.
Mas eu, que te amei, p’ra quem tu eras
Mais que irmão, mais que pai, mais que amigo,
Eu, a quem desde infante ofereceras,
P’ra suprir o de mãe fraterno abrigo.

Mais infeliz fui eu; junto a meu lado
Vago está o lugar que abandonaste.
Vivo só, com as saudades do passado,
Do tempo que de encantos povoaste.
Nesta acerba aridez do meu presente
Recordo-me da vida que passou,
E bem vejo que a sorte fatalmente
Na vida do infortúnio me lançou.
Como a do nauta desditosa sorte,
Que o mar arrosta em tormentosa viagem,
E viu nas ondas que enfurece a morte
Sucumbir todo o resto da equipagem;
Tal o destino meu; entrei no mundo
E saudei-o com hinos de alegria;
Nos êxtases dum júbilo profundo,
O dom da vida a Deus agradecia.
[…]
In Júlio Dinis (Joaquim Guilherme Gomes Coelho), Poesias, 1859, Publicações Europa-América, 2010, ISBN 978-972-104-585-9
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