segunda-feira, 11 de março de 2019

A Pedra da Luz. A Mulher Sábia. Christian Jacq. «Sobretudo, lembrou o escriba do Túmulo à criada Niut a Vigorosa, não passes a tua maldita vassoura na minha biblioteca! Eu encarrego-me de a limpar»

jdact e cortesia de wikipedia

«(…) Apenas o Faraó e o vizir são excepção à regra que acabo de vos recordar. E vós não sois nem um nem outro. Face ao fisco, deveis inclinar-vos! Ide procurar o escriba do Túmulo, ele vos recordará a lei. Sobek hesitou. Afinal, não era má solução; tornava-se evidente que o inspector não conhecia Kenhir o Rabugento. Entendido, mas que os soldados não se mexam uma polegada! Se tentarem franquear este fortim, os meus homens repeli-los-ão sem considerações. Não aprecio muito esse tom, chefe Sobek. Os vossos guardas são menos numerosos do que os meus soldados e tenho o direito por mim. Se quereis tomar as coisas assim, não vou buscar ninguém e eu próprio resolvo este assunto. Os guardas núbios não tiveram necessidade de qualquer ordem para brandirem os cacetes. Mais jovens e mais rápidos do que os adversários, não receavam um confronto a um contra dois ou três. Não nos enervemos, recomendou o inspector do fisco. Eu estou aqui para fazer respeitar a ordem e vós também. As minhas ordens são muito rigorosas e devo aplicá-las à letra. Ide buscar o escriba do Túmulo! Sobretudo, não avanceis! Crispado, o funcionário não retorquiu. Tinham-no prevenido que a sua missão não seria fácil, mas não esperava tal resistência. E aquele grande negro metia-lhe medo; se se desencadeasse a luta, não se arriscaria a ser ferido? Mais valia, para já, renunciar ao uso da força e discutir com o escriba do Túmulo, colocando-o perante o facto consumado. O chefe Sobek não se apressou para franquear os fortins. Não seria aquela molhada de soldados que daria cabo dos seus homens; mas depois daqueles viriam outros, mais numerosos e mais temíveis. Quem teria desencadeado aquela intervenção a não ser Abri, o administrador-principal da margem oeste? Sobek encontrava-o uma vez mais no seu caminho. O alto funcionário tentara em vão suborná-lo e depois fazê-lo transferir, como se quisesse afastar um guarda incómodo, capaz de o implicar no caso de assassínio que não deixava de preocupar o núbio. Pela terceira vez, Abri lançava um ataque contra ele e, mais directamente ainda, contra o Lugar de Verdade. Porque agiria assim, a não ser porque era culpado, de uma maneira ou de outra, e queria desembaraçar-se dos seus acusadores? A urgência daquele dia era o funcionário do fisco. Talvez fosse impossível evitar um conflito, pois não seria suficiente prevenir Kenhir. Ainda era preciso que o escriba do Túmulo aceitasse deslocar-se.

Sobretudo, lembrou o escriba do Túmulo à criada Niut a Vigorosa, não passes a tua maldita vassoura na minha biblioteca! Eu encarrego-me de a limpar. A rapariga contentou-se em encolher os ombros. Todas as manhãs era o mesmo sermão. Com sessenta e dois anos, mais rabugento do que um velho bode solitário, Kenhir tinha um ar pesado e a corpulência de um escriba que desempenhasse uma função importante, mas também uns olhos maliciosos e vivos aos quais nada escapava. Graças a uma tisana de mandrágora, vencera a insónia que o afectava desde a morte de Ramsés o Grande. Sabia que, durante aquele período transitório, a pequena comunidade estava em perigo e que não sobreviveria à decisão de um faraó hostil ao seu modo de vida, mas continuava no entanto a desempenhar a sua função como se ela devesse durar eternamente. Antes do mais, o abastecimento da confraria em água, garantido de duas maneiras: por um lado, pelo poço muito profundo escavado a cerca de sessenta metros a nordeste do templo de Hathor; por outro, pelas incessantes entregas dos condutores de burros. O poço era uma espécie de obra-prima, com as paredes verticais talhadas em ângulo recto, as lajes de calcário e as soberbas escadas que permitiam aos ritualistas irem recolher água para as cerimónias, mas não bastava para os gastos domésticos, tanto mais que a higiene era uma das principais preocupações da aldeia». In Christian Jacq, A Pedra da Luz, A Mulher Sábia, 1995(?), Bertrand Brasil, ISBN 978-852-860-772-7.

Cortesia deBertrandB/JDACT