quinta-feira, 28 de março de 2019

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «O rei soltou uma gargalhada áspera. Podeis pedir-me uma cerveja e ordenar que me enviem roupa lavada e água quente ao melhor quarto…»

jdact

«(…) Tenho a certeza de que me ensinareis boas maneiras inglesas, afirmou. Quem poderia ser melhor para me aconselhar?, voltou-se para o príncipe Artur e fez-lhe uma reverência real. Meu senhor. Ele hesitou na vénia que lhe devolveu, espantado com a serenidade que ela transmitia neste momento tão embaraçoso. Procurou o presente dela no casaco, brincou com a pequena bolsa de jóias, deixou-a cair, voltou a apanhá-la e finalmente entregou-lha, sentindo-se ridículo. Ela pegou nas jóias e inclinou a cabeça em agradecimento, mas não as abriu. Já haveis jantado. Vossa Graça? Comeremos aqui, respondeu ele bruscamente. Já pedi o jantar. Posso então oferecer-vos uma bebida? Ou um lugar para vos lavardes e trocardes de roupa antes de jantar?, observou a sua altura e magreza de modo avaliador, desde a lama que salpicava o seu rosto pálido e enrugado, às suas botas empoeiradas. Os ingleses formavam uma nação prodigiosamente suja, nem sequer uma casa enorme como esta possuía um hammam adequado ou água canalizada. Ou talvez, não queirais lavar-vos? O rei soltou uma gargalhada áspera. Podeis pedir-me uma cerveja e ordenar que me enviem roupa lavada e água quente ao melhor quarto, e trocarei de roupa antes do jantar, levantou uma mão. Não tendes de interpretar isto como um cumprimento a vós. Eu lavo-me sempre antes de jantar.
Artur viu-a morder o lábio inferior com pequenos dentes brancos como se estivesse a controlar para não responder sarcasticamente. Sim. Vossa Graça, disse suavemente. Como desejardes. Chamou a sua dama de companhia para perto de si e transmitiu-lhe ordens em espanhol, em voz baixa e rápida. A mulher fez uma reverência e conduziu o rei para fora da sala. A princesa voltou-se para o príncipe Artur. Et tu?, perguntou em latim. E vós? Eu? O quê?, gaguejou ele. Sentiu que ela estava a tentar não suspirar de impaciência. Também gostaríeis de vos lavar e trocar de casaco? Eu lavei-me, afirmou. Mal as palavras lhe saíram da boca, podia ter mordido a própria língua. Parecia uma criança que estava a receber uma reprimenda de uma ama, pensou. Eu lavei-me mesmo. O que ia fazer a seguir? Mostrar as mãos com as palmas viradas para cima, para ela poder ver que era bem comportado? Então, desejais beber uma caneca de vinho? Ou de cerveja? Catarina voltou-se para a mesa, onde os empregados pousavam apressadamente canecas e jarros. Vinho.
Ela levantou um copo e um jarro e os dois brindaram uma vez e depois outra. Espantado, apercebeu-se de que as mãos dela estavam a tremer. Ela verteu o vinho rapidamente e estendeu-lho. O olhar dele passou da mão e da superfície ligeiramente borbulhante do vinho para o seu rosto pálido. Pode verificar que ela não lhe sorria. Não estava nada à vontade com ele. A indelicadeza do pai fizera sobressair o orgulho nela, mas, sozinha com ele, não passava de uma menina, alguns meses mais velha do que ele, mas ainda uma menina, a filha dos dois mais admiráveis monarcas da Europa; mas não deixava de ser uma menina, com as mãos a tremer. Não precisais de estar assustada, disse, muito calmamente, lamento tudo o que aconteceu». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.
                                                                                      
Cortesia CivilizaçãoE/JDACT