domingo, 24 de março de 2019

A Verdadeira História. Margaret George. «Dirigiu-se ao armazém, sabendo que meio-dia era boa hora para uma visita. Estariam todos lá e, embora os olhos de todos fossem acompanhá-la quando entrasse, o barulho e os ruído…»

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A Mulher que Amou Jesus
«(…) Quando saiu do quarto, sua mãe e seu pai já estavam de pé e comiam a refeição da manhã, de pão e queijo. Olharam-na com ansiedade; já a esperavam com impaciência. Sentou-se rapidamente à mesa e pegou num pedaço de pão. E então?, perguntou seu pai. Percebeu que sua mãe olhava para ele como se dissesse Natã, não se atrapalhe! Concordo em ser a mulher de Joel, disse ela. Parecia a coisa certa a fazer; e estava exaurida pela luta interior e pelo exame de consciência que fizera. Devia casar-se e Joel parecia tão bom quanto qualquer outro e melhor que a maioria. As suas ambições iriam diminuir em mais um ano ou dois e talvez se visse forçada a casar com um viúvo mais velho. Além disso..., talvez esta casa estivesse assombrada por um espírito maligno que parecia tê-la escolhido, e seria melhor que fosse para outro lugar. Algo a estava expulsando dali. Poderia não ter nada a ver com o velho ídolo de marfim que estava no baú, poderia ser outra força. Como ter certeza? Maria já vira os possuídos, que, na verdade, deveriam ser chamados despossuídos, pois tinham perdido tudo na vida, perambulando pelo mercado, com todos olhando fixamente para eles e evitando-os. Ninguém saberia dizer por que motivo um demónio escolhia uma pessoa ou outra; isso ocorria com pessoas das melhores famílias. E agora parecia que a própria casa de Maria tinha sido invadida. Era seu dever deixar a casa e levar o espírito consigo, protegendo assim a sua família, ou livrando-se dele.
Maria... Isso é maravilhoso!, disse a sua mãe. Aparentemente, ela esperava por uma discussão interminável sobre o assunto. Cedendo com facilidade, Maria dera-lhes um presente inesperado. Estou tão feliz. É verdade, disse Natã. Consideramos Joel um homem recomendável. Ficaremos felizes de recebê-lo como filho. Maria, a mãe levantou-se e abraçou-a. Estou tão..., contente. Quer dizer aliviada, pensou Maria. Aliviada por não ter de carregar a desgraça de uma filha não casada. Assim, cumpriram os seus deveres. Sim, mãe, disse, dando-lhe um abraço de verdade, puxando-a contra si. E agora eu os deixarei, pensou. Não, hoje, mas em breve. E, de certa forma, as despedidas já começaram. Sentia-se desolada, como se estivesse sendo descartada. Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e unir-se-á à sua mulher, diziam as escrituras. De novo, só se referiam ao homem e ao que ele fazia, pensou Maria. Nenhuma menção à mulher de quem depende ou aos seus sentimentos. Devo falar com ele hoje?, perguntou Maria. Ou o senhor prefere falar primeiro com ele? Você mesma deveria falar com ele, disse o seu pai. Seria melhor que falassem a sós, um com o outro. Afinal, somos pessoas modernas. E ele sorria, claramente feliz.
Maria preparou-se para ir ao armazém. Vestiu-se devagar, escolhendo um vestido que lhe caía bem, branco, com uma risca no colarinho. Penteou o cabelo, atando-o atrás com uma presilha. Imagino que depois de casar terei de usá-lo amarrado com tranças. E coberto. Que pena. Mas era um pensamento fugaz. Todo mundo sabia que mulheres casadas tinham de cobrir a cabeça. Era parte do preço a pagar por ser uma esposa respeitável. Nenhum outro homem podia ver o seu cabelo. Isso também significava, naturalmente, que ninguém poderia ver o seu cabelo fora da sua casa, nem crianças, ou amigas ou homens mais velhos. E assim perdia o mundo exterior um pouco de beleza. Escolheu umas sandálias de pele, macias, e uma mantilha leve, de lã. Afinal, supõe-se que este seja o dia mais feliz da minha vida, pensou. Por isso, devo pôr uma roupa especial para este dia, uma roupa que me leve a lembrar, quando voltar a vesti-la: essa é a mantilha que usei no dia em que... E talvez até conte isso para minha filha e lhe mostre a mantilha. Suspirou. Já estou me sentindo esquisita, imaginando o que vou contar à minha filha, pensou.
Dirigiu-se ao armazém, sabendo que meio-dia era boa hora para uma visita. Estariam todos lá e, embora os olhos de todos fossem acompanhá-la quando entrasse, o barulho e os ruídos lá dentro iriam abafar o que ela e Joel viessem a dizer um ao outro. O armazém da família ficava perto do cais onde os pescadores descarregavam o peixe pescado no lago de Magdala, para além do passeio de pedras e do mercado, onde se vendia e comprava o peixe. O peixe era abundante no lago, o que proporcionava uma boa dieta alimentar às 16 cidades que ficavam na sua orla. Mas o peixe também era altamente perecível e não podia ser enviado para longe sem ser, de alguma forma, tratado e preservado. A família de Maria criara um negócio especializado que fazia os três tipos conhecidos de tratamento de peixe: o da secagem, o da defumação e o da curtição pelo sal». In Margaret George, A Paixão de Maria Madalena, 2002, Saída de Emergência, Edições Fio de Navalha, 2005, ISBN 972-883-911-1.
                                       
Cortesia de SdeEmergência/JDACT