sexta-feira, 29 de março de 2019

Alexandre VI. Volker Reinhardt. «A santidade dos dominicanos revelou-se no cumprimento da profecia. A canonização é também um acto de agradecimento. Dessa maneira, foi estabelecida uma relação de reciprocidade…»

Cortesia de wikipedia e jdact

De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgia
«(…) E a recompensa era grande: glória ao governante e posições de liderança lucrativas ao conselheiro ou diplomata que desse a sua colaboração. Em 1411, o clérigo de Xátiva, cuja reputação como advogado não parava de crescer, foi nomeado cônego da Catedral de Lérida. Essa função, que fora ocupada regularmente por outros membros da linhagem principal da família, garantia consideráveis rendimentos e justificava as esperanças por posições mais elevadas. Mas na viragem da história de vida de Alonso deve ter ocorrido alguns anos antes. O dominicano Vicente Ferrer (morto em 1419), amplamente conhecido como rígido pregador, anunciou ao jovem clérigo que ele, um dia, ocuparia o trono de Pedro. Tais profecias não faltavam em biografias papais.
Factos concretos são a prova de que aqui não se trata da invenção piedosa de um biógrafo tardio, mas sim de uma autêntica e marcante experiência. Trinta e seis anos após a morte do eloquente frade, Calisto III, de facto eleito papa, não tendo outra coisa mais importante para fazer, incluiu o nome de Ferrer na lista dos candidatos à canonização. Mas também isso não significava muita coisa, afinal o dominicano era considerado havia muito tempo um escolhido do Senhor no que dizia respeito às rígidas reformas da Igreja. Ele era também um conterrâneo do papa, o que geralmente acelerava os processos de canonização. Mas havia um motivo ainda mais pessoal para a rápida canonização. Esse motivo é mencionado na competente biografia de Ferrer, escrita pela pena de um contemporâneo:
Alonso Borja dizia havia anos aos seus seguidores que estava confiante, antes mesmo de ter sido eleito efectivamente papa: ele nutria a esperança de um dia governar pessoalmente a Igreja Romana. Mas depois de terem morrido dois ou três papas e a eleição ter acabado de forma diferente, muitos daqueles que tinham apostado nele agora faziam troça do velho ridículo, cujas previsões não passavam de conversa fiada. Essas mesmas pessoas, contudo, ficaram tremendamente surpresas quando, após a morte do papa Nicolau VI, ele, de facto, ocupou o trono de Pedro, e questionavam-no pelas inspirações que o tinham levado a fazer tão frequentemente previsões desse desfecho, de forma assim tão inabalável. Sua resposta: quando eu era ainda adolescente, foi-me anunciado por um homem mundialmente famoso, marcado pela fé, piedade e santidade de vida, Vicente Ferrer, da Ordem dos Pregadores, que eu, um dia, seria o maior de todos os mortais e, depois de sua morte, iria superar todas as pessoas em louvor, honra e adoração. [...]. E como vejo agora que, como um dom de Deus, fui realmente agraciado com o que ele dissera, foi-me ordenado fazer por ele o que ele profetizara a ser minha missão, a ser cumprida perante a sua pessoa. Portanto, o meu veredicto é que esse grande homem seja santificado por mim o mais rápido possível.

A santidade dos dominicanos revelou-se no cumprimento da profecia. A canonização é também um acto de agradecimento. Dessa maneira, foi estabelecida uma relação de reciprocidade, que conjugava destino e dignidade. Assim, Alonso Borja torna-se papa a fim de outorgar a Ferrer a sua legítima categoria. Dou para que dês: devoção aos santos e sua duradoura protecção ao pontífice e sua família. A ideia de elegibilidade por dinastias vai tomando forma. Pouco depois de 1400, essa profecia pareceu, em princípio, ousada. Como deveria ser o caminho de Lérida a Roma? Como patrocinador, o primeiro a agir foi o papa Bento XIII, um dos três papas rivais da época, que colocou o promissor compatriota sob as suas asas. O valor de sua protecção, no entanto, foi irrelevante, já que foi deposto sumariamente, com os seus concorrentes, pelo Concilio de Constança. O objectivo era eleger, por volta de 1417, na figura de Martinho V, da família Colonna, pertencente à alta aristocracia romana, um novo pontifex maximus que fosse reconhecido por todos. E também Alonso Borja arranjou um novo e influente protector: Afonso V (1396-1458), rei de Aragão». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o Papa Sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9

Cortesia EEuropa/JDACT