quarta-feira, 13 de março de 2019

Deslumbrante. Madeline Hunter. «Antes de ir embora olhou para dentro do quarto e dos olhos de Sebastian, com uma expressão que ele não conseguiu decifrar»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Sir Edwin digeriu a informação. Dirigiu a Audrianna um olhar penetrante e depois caminhou pensativamente até à janela. De cinza-escura, a luz passara a prateada, revelando a sua expressão descontente. Sebastian se aproximou. Sir Edwin olhou pela janela e falou baixinho: por acaso ela é filha de Horatio Kelmsleigh? Não há ninguém na Inglaterra que não conheça esse nome. A presença dela aqui levanta questões. Compreendo que isso possa acontecer. Faça as suas perguntas que responderei como cavalheiro que sou, tanto quanto é permitido a um cavalheiro. Quer dizer que existem perguntas que um cavalheiro não responderia a este respeito? Sebastian não respondeu. Deixou que o silêncio falasse por ele. E diabos levassem a reputação de Audrianna. É minha obrigação dizer que o estalajadeiro me contou que miss Kelmsleigh disparou o tiro que provocou esse ferimento, senhor.
O estalajadeiro não estava presente e não pode dar nota dos factos. Tem a minha palavra de que esteve aqui uma terceira pessoa, um homem, como lhe disse. Jurarei pela inocência dela se assim quiser. Comparecerei às suas sessões trimestrais para isso, se necessário, mas preferia poupá-la da exposição de ter de se defender de uma acusação tão sem fundamento. Sir Edwin corou. Pedir tal coisa a um cavalheiro que dera a sua palavra seria um insulto. Ficou abalado por Sebastian ter sequer insinuado que tal coisa tivesse ficado implícita. No entanto, olhou outra vez por cima do ombro, para as costas de Audrianna. É curioso ela estar aqui, desempenhando seu papel na investigação, lord Sebastian. Não esperava que os dois fossem..., conhecidos. Essa estranheza não tem interferência alguma no seu dever, correcto? Não, senhor, correctíssimo. Se houve um intruso, não tem. Tentarei manter o nome dela fora disso, mas se não conseguir... Talvez devesse dizer que ela estava aqui para dar informação a respeito das actividades do pai? Pode ser que impeça que alguns presumam que a presença dela teve outros motivos. Pode dizer o que quiser, e os outros podem presumir o que quiserem, mas ela não disparou aquela pistola. Sir Edwin anuiu.
Acho que compreendo as circunstâncias que se apresentam, caro senhor. Sebastian olhou para o relógio de bolso. Sir Edwin, a primeira carruagem parte dentro de quinze minutos. Miss Kelmsleigh deseja voltar a Londres. Peço que a acompanhe ao andar de baixo e a coloque em segurança no transporte, para os curiosos e grosseiros não a importunarem com perguntas. Sir Edwin empertigou-se. Com certeza. É provável que isso realmente aconteça logo, acho eu. Seria atencioso poupá-la do pior esta manhã. Uma nova luz se assomou ao olhar. Uma luz crítica, pois o cavalheiro à sua frente seria para sempre poupado do pior, enquanto miss Kelmsleigh pagaria qualquer custo que estivesse associado ao infame episódio. Sebastian acatou a crítica silenciosa. Ninguém acreditaria que a encontrara ali por um capricho do destino. O importante era que sir Edwin não a deteria até à sessão trimestral, para enfrentar a acusação de tentar assassinar o irmão de um marquês. Sebastian dirigiu-se para a cadeira dela.
Miss Kelmsleigh, sir Edwin terminou e está satisfeito. Irá escoltá-la à carruagem agora. Ela ergueu os olhos, que estavam fixos nas pernas. Sua expressão estoica sumiu para mostrar o alívio que sentia. Os olhos verdes reflectiam a preocupação que ela escondera. Estou livre?, articulou, em silêncio, com os lábios. Ele assentiu e ofereceu a mão para ajudá-la a ficar de pé. A palma suave da mão dela tocou na dele, pousando levemente, mas comunicando, ainda assim, a intimidade silenciosa da noite. Sua mão deixou a dele quando esticou o braço para pegar na capa. Sir Edwin pegou a mala e ficou na porta à espera. Audrianna se aproximou. Antes de ir embora olhou para dentro do quarto e dos olhos de Sebastian, com uma expressão que ele não conseguiu decifrar.

Era perto da meia-noite quando o cabriolé que Audrianna apanhara na estalagem local a deixou em casa. À luz do candeeiro da carruagem, a casa parecia um bloco alto e rectangular. O espírito de Audrianna gemeu de alívio assim que viu a forma simples e rústica. A salvo da estrada, longe o bastante de Londres para fingir que o falatório da cidade não existia, aquela casa e as pessoas que nela viviam proporcionavam o apoio e o conforto de um verdadeiro lar e uma verdadeira família. Só ali vivia há meio ano, mas dentro daquelas paredes conhecera mais contentamento do que em qualquer outro lugar do mundo. O edifício estava escuro, excepto por uma luz dourada que se via na janela da sala da frente. Era esperar demais que Daphne tivesse deixado um candeeiro aceso e tivesse ido deitar-se. A prima estaria cosendo ou lendo enquanto aguardava o retorno do membro ausente da casa. O papel de Daphne na casa era difícil de descrever. Parte mãe, parte anfitriã, parte dona de casa, tratava as inquilinas como irmãs. As regras que estabelecera para a casa obrigavam a existência de igualdade entre todas elas, em todas as coisas. Na verdade, porém, todas dependiam da sua generosidade». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT