segunda-feira, 25 de março de 2019

Isabel I. O Anoitecer de um Reinado. Margaret George. «Sou sempre leal e estou sempre presente. Mas um pouco de encenação dá um tempero à vida e mantém os meus inimigos em alerta»

Cortesia de wikipedia e jdact

Isabel. Maio de 1588
«(…) Os aromas misturados estavam particularmente doces naquela tarde. Enganei-me ao chamá-la de lírio, explicou Vejo agora que as rosas reflectem melhor a sua verdadeira natureza. Há tantos tipos diferentes, assim como a senhora tem tantas facetas. Mas o meu lema pessoal é Semper eadem, Sempre a mesma, nunca mudar. Eu tinha escolhido tal lema por considerar que a imprevisibilidade num soberano era um grande fardo para os súbditos. Não seria assim que os seus conselheiros a descreveriam. Nem seus pretendentes. Ele desviou o olhar e acrescentou: eu deveria saber disso, já que vivi as duas situações. Ainda bem que não pude ver o rosto dele para interpretar o que quis dizer com aquele, mas acabei explicando. Apenas brinco de ser imprevisível, por dentro sou firme como uma rocha. Sou sempre leal e estou sempre presente. Mas um pouco de encenação dá um tempero à vida e mantém os meus inimigos em alerta. E os amigos também, Majestade. Até mesmo sendo os seus olhos há muito tempo, às vezes não sei se devo acreditar no que vejo. Pode sempre perguntar-me, Robert. Sempre lhe responderei. Prometo-lhe.
Robert Dudley: a única pessoa para a qual poderia revelar minha alma, com quem conseguia ser a pessoa mais honesta possível. Há muito tempo, amei-o desesperadamente, do jeito que uma mulher só consegue amar apenas uma vez na vida. O tempo mudou esse amor, transformando-o em uma coisa mais resistente, espessa, forte e silenciosa, assim como dizem que acontece com casamentos muito longos. Os russos dizem: o martelo estilhaça vidro, mas forja o aço. Certa vez, disse a um embaixador que se eu me casasse algum dia seria como rainha e não como Elizabeth. Se algum dia eu fosse convencida de que um casamento era uma necessidade política, então levaria a situação adiante, apesar da minha relutância pessoal. Mas, na minha coroação, prometi aceitar a própria Inglaterra como meu esposo. Permanecendo virgem, não me doando a ninguém a não ser ao meu povo, era o sacrifício visível que ele teria como prémio e honra e nos manteria unidos. E foi isso que aconteceu. E, apesar de poupá-los dos horrores do enlace estrangeiro e do fantasma da dominação, deixei-os com a mesma coisa que fez meu pai virar o reino de cabeça para baixo para evitar que acontecesse: nenhum herdeiro para me suceder. Não posso dizer que isso não me preocupa. Mas tenho outras decisões mais importantes a tomar, de igual ou maior urgência para a sobrevivência do meu país.
Francis Drake levou a maior parte da semana para atravessar os mais de 300 quilómetros que separavam Plymouth de Londres. Mas agora ele estava diante de todo o Conselho Privado, e eu, na sala de reunião no Whitehall. Não quis descansar, e sim vir directamente a nós. Vê-lo sempre fazia com que me sentisse mais segura. Ele tinha tal optimismo que conseguia convencer qualquer um a ouvir os seus planos e mostrar que todos eram realizáveis e sensatos. O grupo agora estava maior. Não era composto apenas do trio interno: Burghley, Leicester e Walsingham. Tínhamos também sir Francis Knollys; Henry Carey, o lorde Hunsdon; e John Whitgift, o arcebispo de Cantuária; bem como Charles Howard, o novo lorde almirante.
Seja bem-vindo, disse a Drake. O que acha da nossa situação? Ele olhou em redor. Era um homem atarracado, parecia um barril. Conveniente para alguém que destruiu as aduelas dos barris da Armada no ano passado. A cabeleira loira ainda era espessa, e, embora o rosto apresentasse marcas de expressão, parecia jovem. Estava avaliando uma possível oposição no Conselho antes de falar. Finalmente disse: sabíamos que isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. E é chegada a hora. Não havia como contradizê-lo. E a sua recomendação, qual é?, perguntei. A senhora sabe a minha recomendação, amável rainha. É sempre melhor atacar o inimigo e desarmá-lo antes que ele alcance a nossa costa. Uma acção ofensiva é mais fácil de ser controlada do que uma acção defensiva. Portanto, proponho que nossa frota zarpe das águas inglesas, navegando até interceptar a Armada antes que ela chegue aqui». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de um Reinado, tradução de Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN 978-858-130-076-4.

Cortesia de GeraçãoE/JDACT