terça-feira, 19 de março de 2019

Novas Cartas Portuguesas. Maria Barreno, Maria Horta, Maria Costa. «Fortíssimo perante só o onde ganhar guarida e atingir redondo que o vértice inseguro bem sustenha»

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Sela e Cela
«(…) Eu defendo que na ordem do corpo
o sinal posto brando e alto entre as coxas
não deve levantar-se contra nada.

Palo acendido seco ou mosto (mastro) derramado
as fendas que revolve sempre sangram
e não é nisso o mal.

Exposto é o macho e pode ser de flora sua altura
bolbos de vida tenros os testículos (água de leite vindo)
e tão humildes que a mão os tolhe ou pode decepar.

Fortíssimo perante só o onde
ganhar guarida e atingir redondo
que o vértice inseguro bem sustenha.

Dar de alimento não é ser devorado
e não se volvam por nome do inteiro
a boca de mulher e sua fala em fauces.

Eu defendo
que em tudo está inscrito cunha e cova
na haste e crosta crespa a gota tenra
no redondo do seio o gume de perdê-lo
alguma breve hora.

Assim vos coludindo acaso
esta não sei se ácida per juris causa nostra
baga nova
imponho (tábua ou rosa?):

Amar de amor alguém
côncavo ou exposto
bom montador ou casa (entranha) clausa
é ter em mãos suspensa a sua outra face.
27/Mar/71

Bilhete de Mariana Alcoforado ao cavaleiro de Chamilly
Senhor
Desculpai se vos escrevo sabendo, a razão e o coração mo dizem, quanto alívio sentis em vos afastardes de mim.
Já mar não vos sou nem mesmo mar–iana... nem meu ardor te lembra de fêmea este alentejo aceso ao qual me comparavas o corpo onde passeavas teus dedos em extenuadas tardes...
Porquê meu amor o silêncio a que me votas (de voto estou eu já presa: mordaça posta), silêncio que devoro de angústia. Se de ti não me alimento, que me aguarda?
Desculpai o desvario, desculpai-me a ânsia, não era essa a função deste bilhete, nem foi ele ditado por amor, mas antes imposto pela urgência de pedir que me venhais ver por coisa tão urgente e grave que mais não posso esperar, pois cada dia passado de maior susto me tomo, sem saber como resolver uma situação que não só a mim cabe resolver.
Espero-vos, então, esta noite. Podeis vir tranquilo que não vos aborrecerei com lágrimas ou abraços. Evitarei, juro, as súplicas, a ironia, a memória, meu amor.
Como sempre, esperai junto às grades, dona Brites vos conduzirá até meu quarto, onde aguardarei calma, esperançada que me possais salvar ainda, ou para sempre me condenardes à ira da minha família.
27/Mar/71

In Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho Costa, Novas Cartas Portuguesas, 1972, edição anotada, Publicações dom Quixote, 1998, 2010, ISBN 978-972-204-011-2.

Cortesia PdQuixote/JDACT