quarta-feira, 13 de março de 2019

Deslumbrante. Madeline Hunter. «O rosto assumiu uma expressão de condolência. Parece que teve as suas próprias aventuras de guerra, sir Edwin. Lembro-me de quando foi armado cavaleiro por causa delas»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A entrevista que os aguardava só tinha dois finais possíveis, mas nem um nem outro poderia ser positivo para miss Kelmsleigh. A pancada breve e seca pareceu um foguete. Sebastian despertou sobressaltado do sono inquieto. Quando se colocou de pé, o ferimento o deixou atordoado de dor por um instante. Olhou para a janela. Pelas frestas das portas fechadas entravam tênues fios de luz. Em breve seria o raiar do dia. Miss Kelmsleigh também se levantara. Alisou o vestido, arrumou a cama e foi buscar a peliça que estava pendurada no gancho. Ele esperou que ela se vestisse e se esforçasse para ajeitar rapidamente o cabelo desgrenhado em frente ao espelho. A pancada voltou a soar. O olhar dela cruzou o dele. Parecia triste e resignada, e constrangida pela noite que haviam passado juntos. Não tinha dúvida de que as horas de reflexão também a tinham feito ver a impossibilidade da situação.
Abriu a porta. Era Hawkeswell que aguardava, não o estalajadeiro. Fiz questão de eu mesmo vir, disse. Muito atencioso. Obrigado. O juiz de paz está lá em baixo. Prefere descer ou posso indicar que suba? Este lugar não é o mais adequado mas é melhor do que o outro. Não queremos ter plateia. Hawkeswell assentiu. E o seu braço? Foi um mero arranhão. Se não se importar em continuar ajudando, por favor, descubra a que horas a primeira carruagem para Londres parte, e venha-me dizer. Hawkeswell retirou-se. Sebastian fechou a porta novamente. Nove horas, disse miss Kelmsleigh. É o horário da primeira carruagem. Eu planeava embarcar.
Ela disfarçava bem o nervosismo. Não fossem as mãos se apertando e a melancolia da expressão, ninguém adivinharia que estava prestes a enfrentar um julgamento. Decidido de que a sua presença e compostura fariam mais bem do que mal, Sebastian abriu as portas das janelas de par em par para dispersar as sombras da noite. Virou-se para ela e pela primeira vez, à luz nova do dia, olhou-a bem. O cabelo tinha uma acentuada cor de cobre. Os reflexos arruivados pareciam agora uniformes. Os olhos tinham uma tonalidade de verde impressionante. As feições eram regulares e mais delicadas do que a luz crua do fogo dera a entender. O rosto, de uma beleza única e madura, mais atraente que formoso. Atraente o bastante para fazê-lo parar um momento e recordar vividamente aquele beijo. Depois, pegou na cadeira e virou-a para a lareira, mas no canto. Por favor, sente-se aqui. Assim que ele entrar verá que é uma senhora e isso afectará toda a conversa.
Ela obedeceu. Sebastian tirou a pistola de cima da mesa, onde ficara a noite toda, e pousou-a na lareira, contra a parede, onde não seria imediatamente visível. Ouviu-se outra pancada na porta, nem de perto tão forte como a de Hawkeswell. Aquela qualidade hesitante, de certa forma, era um bom sinal. Sir Edwin Tomlison era um sujeito alto e muito magro cujo farto cabelo preto começava a ser tingido por mechas grisalhas. O traço resignado que Sebastian notou na sua boca quando ele entrou no quarto e se apresentou disse muito. Tratava-se de um homem que gostava de ser juiz de paz pela posição social que lhe proporcionava dentro do condado, mas que não apreciava os deveres jurisdicionais que o cargo acarretava. Lord Sebastian Summerhays, cumprimentou sir Edwin com uma reverência. Tive a honra de conhecer o seu irmão, antes de ele ir para a guerra e... A voz dele sumiu. O rosto assumiu uma expressão de condolência. Parece que teve as suas próprias aventuras de guerra, sir Edwin. Lembro-me de quando foi armado cavaleiro por causa delas. O rosto de sir Edwin se reavivou. Como simples escudeiro de campo armado cavaleiro ficou agradado pelo facto de o irmão de um marquês saber os motivos. Sebastian apresentou miss Kelmsleigh. Sir Edwin mostrou surpresa, e reconhecimento, ao ouvir o nome dela.
Temos aqui uma situação complicada, senhor, disse ele a Sebastian. Lá em baixo se encontra um grupo apreciável, todos muito excitados com os acontecimentos empolgantes que proporcionou. As histórias deles chegarão a Brighton pelo meio-dia, e a Londres à noite, por isso precisamos conversar francamente. É a minha intenção. Disse ao estalajadeiro, como digo agora, que apareceu um intruso, que disparou em mim durante uma luta. Fugiu imediatamente. Consegue descrevê-lo ou identificá-lo? Não o vi muito bem. Aconteceu tudo muito depressa. Talvez pensasse que o quarto tinha apenas malas e que os ocupantes estivessem a jantar no andar de baixo. Ele pareceu tão surpreendido por me ver quanto eu pela invasão, continuou Sebastian. Mas ele tinha um chapéu diferente. Marrom, talvez, fora de moda. Fez uma descrição elaborada». In Madeline Hunter, Deslumbrante, Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.

Cortesia de EASA/JDACT