quinta-feira, 25 de junho de 2020

A Batalha de Toro. António F. Barata. «Ninguém contesta a derrota total, formalíssima dos castelhanos em menos de meia hora! Em Toro, ou Zamora, empenharam-se forças que não se estudaram ainda bem…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Por muitas vezes hei escrito, e mais uma ainda aqui o faço, embora com isso se possam morder uns tantos mal sofridos, a quem a cega Fortuna tem dispensado inúmeros favores mais devidos a seus inexplicáveis caprichos, dela, do que ao mérito próprio, deles, e invejosos, apesar dos benefícios com que injustificadamente colmados, do valor real de outros a quem a mesma Fortuna tem sido sempre adversa; mais uma vez sobre tantas outras direi que é António Francisco Barata, da Biblioteca de Évora, um dos mais talentosos, dos mais sabedores, dos mais conspícuos e benemerentes homens de letras do nosso país, e daqueles a quem devidos são mais respeitos e considerações; muito mais que tudo, e o muitíssimo que é e vale, bem documentado em todos os ramos, bem o posso dizer, da literatura, a si só e ao seu incansado e fadigoso labutar o deve, desajudado de todo o auxílio e protecção; e muito mais que a seu luminoso espírito, vasta erudição, e superior manusear da opulenta língua pátria, predicado hoje tão raro até entre os nossos escritores de primeira plana, reúne uma acendrada probidade literária, um indiscutível amor das coisas Portuguesas, e de suas glórias, um carácter levantado e austero, e uma hombridade respeitável e digna, não bandeados às conveniências ordinárias da vida.
Irresistivelmente me acodem estas palavras aos bicos da pena, ao lançar, em reduzida e modesta edição, ao nosso mundo literário, o breve trabalho por António Barata escrito ao correr da pena e de momento, a propósito do que nas Reparaciones Históricas escreveu sobre a Batalha de Toro, o sábio académico espanhol o sr. A. Sanchez Moguel. Esta é que é uma verdadeira reparação histórica, muito para agradecer e louvar a quem a traçou.

1º de Março de 1476
Desde que, há um ano, li o notável livro do Académico Madrileno, o Antonio Sanchez Moguel: Reparaciones Históricas, impresso em Madrid em 1894, me ficaram desejos de revistar os conhecimentos que eu tinha, havia muito, acerca da Batalha de Toro, ou de Zamora, pois que o livro a isso me convidava nesta afirmativa: Toro es, en efecto, el desquite de Aljubarrota, que se lê à página 292. Permeando-se a meus desejos a feitura de um livro de história pátria: Monja de Císter, terminado e em via de publicidade, só agora vou mostrar ao ilustre amigo, sábio e catedrático o resultado da revista e confirmação do que eu tinha aprendido, em leituras antigas.
Primeiramente: para que Toro seja desquite (desforra) de Aljubarrota, importa estudar as circunstâncias, os pormenores dos dois combates. Em poucas palavras direi o que se colhe dos livros, tanto portugueses como castelhanos. Ambas as batalhas se feriram em campina plana, ou levemente ondulada. Combateram em Aljubarrota trinta mil castelhanos contra dez mil portugueses, números redondos. O rei de Portugal batalhou a pé, como qualquer cavaleiro; os castelhanos traziam cavalaria, que os portugueses não tinham; traziam a rudimentar artilharia, os trons; logo: tinham por si o número, três vezes maior, artilharia e cavalaria.
Ninguém contesta a derrota total, formalíssima dos castelhanos em menos de meia hora! Em Toro, ou Zamora, empenharam-se forças que não se estudaram ainda bem; uns dão maior número aos castelhanos (o que é natural) outros lhe concedem forças iguais ou quase iguais.
O rei de Castela não combateu na batalha de Toro; colocou-se a uma légua de distância (certamente lembrando Aljubarrota) e desatou a fugir mal viu volver costas a seis alas do seu exército, ante as forças esforçadas do filho de D. Afonso V; os portugueses levavam artilharia; o combate prolongou-se por três horas, com muita valentia de parte a parte; Afonso V não venceu; mas venceu o filho; logo:

A Batalha de Toro não foi a desforra da de Aljubarrota, porque para o ser, forçoso seria haver igualdade nos elementos constitutivos dos dois exércitos. Para uma coisa ser antítese de outra, preciso é que o seja em todas as suas particularidades.

In António F. Barata, (1836-1910), A Batalha de Toro, 1896, Projecto Livro Livre, Iba Mendes, História, LD nº 661, 2019, www.poeteiro.com.

Cortesia de IMendes/JDACT