sexta-feira, 12 de junho de 2020

Os Manuscritos de Jesus. Michael Baigent. «Já no final da vida, explicou Bartlett, Lilley chegou à conclusão de que não havia nada nos Evangelhos de que se pudesse ter certeza; perdera toda a convicção da verdade»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Tesouro do Padre
«(…) Na década de 1930, eu morava em Oxford, contou-nos ele. Na mesma rua, morava um figurão da Igreja Anglicana, o cónego Alfred Lilley, com quem eu me encontrava todos os dias.
Alfred Leslie Lilley (1860-1948) havia sido, até se aposentar em 1936, cónego e deão da catedral de Hereford. Era um especialista em francês medieval e por esse motivo consultavam-no com frequência quando se tratava de obras de difícil tradução.
As conversas diárias aproximaram Lilley e Bartlett, e o cónego acabou confiando em Bartlett o bastante para lhe contar uma história extraordinária. No início da década de 1890, um jovem ex-aluno seu pediu-lhe que viajasse a Paris, para o seminário de Saint-Sulpice, a fim de ajudar com a sua perícia na tradução de um estranho documento, ou documentos, Bartlett já não se lembrava com exactidão, oriundo de uma fonte que jamais foi divulgada. Em Saint-Sulpice, havia um grupo de especialistas cuja tarefa era examinar todos os documentos que ali chegavam, tarefa realizada, Lilley suspeitava, por encomenda de um cardeal do Vaticano. Os especialistas pediram ajuda na tradução porque não conseguiam entender direito o texto. Talvez por lhes parecer tão audacioso, supunham estarem equivocados.
Eles não sabiam o quanto era impudentemente verdadeiro, lembrou-se Bartlett de ter ouvido de Lilley, e explicou:

Lilley disse que eles não teriam vida longa e feliz se certas pessoas descobrissem esse texto. Tratava-se de um assunto muito delicado. Lilley riu só de pensar no que aconteceria quando os padres franceses falassem disso a alguém. Ele não fazia ideia do fim que eles [os documentos] levaram, mas achava que haviam sido trocados por muito dinheiro, indo parar em Roma.

Na verdade, na opinião de Lilley, a Igreja acabaria por destruí-los.
Lilley estava convencido da autenticidade deles. Eram extraordinários e viravam do avesso muitas de nossas ideias a respeito da Igreja. Na sua opinião, o contacto com o material conduzia à não-ortodoxia. Lilley não sabia com certeza de onde os documentos haviam surgido, mas acreditava que um dia tivessem passado pelas mãos dos hereges (?) cátaros no sul da França, nos séculos XII e XIII, embora fossem muito mais antigos. Estava convencido, ainda, de que em seguida à extinção dos cátaros, os documentos haviam sido mantidos na Suíça até as guerras do século XIV, quando foram levados para a França.
Já no final da vida, explicou Bartlett, Lilley chegou à conclusão de que não havia nada nos Evangelhos de que se pudesse ter certeza; perdera toda a convicção da verdade. Henry e eu ficámos pasmados. Bartlett não era nenhum bobo. Não só era um ministro da Igreja com mestrado numa das faculdades de Oxford, como também se formara em física e química pela Universidade de Gales e em medicina também por Oxford. Pertencia ao Royal College of Surgeons e ao Royal College of Physicians. Chamá-lo de preparadíssimo era pleonasmo. Sem dúvida nutria admiração por Lilley, além de respeitar profundamente o seu saber, e não tinha qualquer dúvida de que o amigo descrevera com precisão o documento, ou os documentos, que vira na sua viagem a Paris. Precisávamos estudar Lilley para ver se conseguíamos alguma informação adicional quanto ao material sobre Jesus, e se era possível definir quem no seminário de Saint-Sulpice e no Vaticano pudesse ter demonstrado interesse.
A chave para entender o cónego Lilley foi o facto de ele se considerar um modernista e ser autor de um livro sobre o movimento que exerceu extrema influência no início do século XX. Os modernistas queriam rever as afirmações dogmáticas dos ensinamentos da Igreja à luz das descobertas da ciência, da arqueologia e do academicismo crítico. Muitos teólogos começavam a se dar conta de que a sua confiança na validade histórica dos relatos do Novo Testamento era imerecida. William Inge, deão da catedral de São Paulo, por exemplo, recebeu certa vez a incumbência de escrever sobre a vida de Jesus. Recusou, dizendo que não havia, nem de longe, indícios seguros para escrever o que quer que fosse sobre ele». In Michael Baigent, Os Manuscritos de Jesus, Editora Nova Fronteira, 2006, ISBN 978-852-091-898-2.

Cortesia de ENFronteira/JDACT