sábado, 20 de junho de 2020

A Demanda do Santo Graal. Manuscrito do Século XIII. «… será vossa a honra de o fazerdes, e se ele vos isto não pedisse, vo-lo deveríeis fazer, pois bem sabeis que é vosso filho. Galaaz, disse Lancelote, quereis ser cavaleiro?»

Cortesia de wikipedia e jdact

Galaaz é armado cavaleiro
«(…) Véspera de Pentecostes, houve muita gente reunida em Camalote, de tal modo que se pudera ver muita gente, muitos cavaleiros e muitas mulheres de muito bom parecer. O rei, que estava por isso muito alegre, honrou-os muito e fez servi-los muito bem e toda coisa que entendeu que tornaria aquela corte mais satisfeita e mais alegre, tudo mandou fazer. Aquele dia que vos digo, exactamente quando queriam pôr as mesas, isto era hora de noa, aconteceu que uma donzela chegou muito formosa e muito bem vestida; e entrou no paço a pé, como mensageira. Ela começou a procurar de uma parte e de outra pelo paço; e perguntaram-lhe o que buscava. Busco, disse ela, dom Lancelote do Lago. Está aqui? Sim, donzela, disse um cavaleiro. Vede-o: está naquela janela falando com dom Galvão. Ela foi logo para ele e saudou-o. Ele, assim que a viu, recebeu-a muito bem e abraçou-a, porque aquela era uma das donzelas que moravam na ilha da Lediça a quem a filha Amida do rei Peles amava mais que a donzela da sua companhia.

Como a donzela disse a Lancelote que fosse com ela. Ai, donzela!, disse Lancelote, que ventura vos trouxe aqui? Que bem sei que sem razão não viestes. Senhor, verdade é; mas rogo-vos, se vos aprouver, que vades comigo àquela floresta de Camalote; e sabei que amanhã, à hora de comer, estareis aqui. Certamente, donzela, disse ele, muito me agrada, pois tenho obrigação de vos servir em tudo que puder. Então pediu suas armas. E quando o rei viu que se fazia armar com tanta pressa, dirigiu-se a ele com a rainha e disse-lhe: como? Deixar-nos quereis em tal festa, quando cavaleiros de todo o mundo vêm à corte, e muito mais ainda por vos verem que por outro motivo: uns para vos verem, e outros por terem vossa companhia? Senhor, disse ele, não vou senão a esta floresta, com esta donzela que me pediu, mas amanhã, à hora de terça, estarei aqui.

Como Lancelote se foi com a donzela. Então saiu Lancelote do paço e montou seu cavalo, e a donzela, seu palafrém, e haviam ido com a donzela dois cavaleiros e duas donzelas. E quando ela voltou a eles, disse-lhes: sabei que consegui aquilo por que vim: dom Lancelote do Lago há-de ir connosco. Então puseram-se a andar e entraram na floresta, e não andaram muito por ela que chegaram à casa do ermitão que costumava falar com Galaaz. E quando ele viu Lancelote ir e a donzela, logo soube que ia para fazer Galaaz cavaleiro, e deixou sua ermida para ir ao mosteiro das mulheres, porque não queria que Galaaz fosse antes que ele o visse, porque bem sabia que se ele partisse dali, não voltaria, porque lhe conviria, assim que fosse cavaleiro, entrar nas aventuras do reino de Logres. E por isso lhe parecia que o havia perdido e que o não veria amiúde e temia, pois tinha por ele muito grande estima, porque era santa cousa e santa criatura.

Como Lancelote chegou à abadia. Quando chegaram à abadia, levaram Lancelote a uma câmara e o desarmaram. E veio a ele a abadessa com quatro mulheres, e trouxe consigo Galaaz, tão formosa pessoa que maravilha era. E andava tão bem vestido que não podia melhor. E a abadessa chorava muito com prazer, assim que viu Lancelote, e disse-lhe: Senhor, por Deus, fazei nosso novo cavaleiro, porque não queríamos que fosse cavaleiro por mão de outro; porque melhor cavaleiro que vós não o pode fazer cavaleiro; porque bem cremos que ainda será tão bom, que vos achareis bem por isso, e será vossa a honra de o fazerdes, e se ele vos isto não pedisse, vo-lo deveríeis fazer, pois bem sabeis que é vosso filho. Galaaz, disse Lancelote, quereis ser cavaleiro? E ele respondeu vivamente: Senhor, se vos aprouvesse, bem o queria ser, porque não há cousa no mundo que eu tanto deseje como a honra de cavalaria, e ser cavaleiro da vossa mão, porque de outro o não queria ser, que vos ouço tanto louvar e prezar de cavalaria, que ninguém, no meu entender, podia ser covarde e mau, que vós fizésseis cavaleiro. E isto é uma das cousas do mundo que me dá maior esperança de ser homem bom e bom cavaleiro.
Filho Galaaz, disse Lancelote, estranhamente vos fez Deus formosa criatura. Por Deus, se não cuidásseis ser bom homem ou bom cavaleiro, assim Deus me aconselhe, sobejo seria grande dano e grande desventura não serdes bom cavaleiro, porque sobejo sois formoso. E ele disse: se me Deus fez formoso, dar-me-á bondade, se lhe aprouver, porque de outro modo valeria pouco. E ele quererá que eu seja bom e coisa que semelhe minha linhagem e aqueles de quem eu venho e posta hei minha esperança em Nosso Senhor; e por isso vos rogo que me façais cavaleiro.
E Lancelote respondeu: filho, pois vos apraz, eu vos farei cavaleiro. E Nosso Senhor, assim como a ele aprouver e o poderá fazer, vos faça tão bom cavaleiro como sois formoso. E o ermitão respondeu a isto: dom Lancelote, não tenhais dúvida de Galaaz porque vos digo que em bondade de cavalaria, os melhores cavaleiros do mundo passará. E Lancelote respondeu: Deus o faça assim como eu queria. Então começaram a chorar de prazer quantos no lugar estavam». In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale, A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo, 1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.

Cortesia de EUSPaulo/JDACT