domingo, 28 de junho de 2020

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «A única coisa em que pôde pensar foi tentar reduzir a velocidade do cavalo. Passou para a trilha e começou a caminhar na direcção do animal desembestado, com os braços abertos»


Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O que explica por que não sabe os factos da vida. Mas não vejo porque razão o pai não possa obrigá-la. Parece que ele prometeu uma vez que nunca a obrigaria a desposar alguém que odiasse, disse o escudeiro. Uma promessa tola!, exclamou Tom, furioso. Como um homem poderoso poderia se prender ao capricho de uma garota daquele modo? O casamento dela poderia afectar alianças militares, as finanças baroniais..., e até mesmo a construção desta casa. Ela tem um irmão, comentou o escudeiro, de modo que não é tão importante com quem se case. Mesmo assim... E o conde é um homem inflexível, prosseguiu o escudeiro. Não deixará de cumprir uma promessa, mesmo que tenha sido feita a uma criança. Ele deu de ombros. Pelo menos é o que dizem. Tom olhou para as paredes de pedra, ainda baixas, da casa em construção. Até agora não economizara dinheiro bastante para manter a família no Inverno, pensou com um calafrio. Talvez o rapaz encontre outra moça para compartilhar esta casa com ele. Tem todo o condado para escolher. Por Cristo, acho que é ele, disse Alfred, na sua voz dissonante de adolescente.
Seguindo o olhar do rapaz, todos se voltaram para o campo. Um cavalo vinha da aldeia a galope, levantando uma nuvem de pó e terra. O assombro de Alfred era justificado tanto pelo tamanho quanto pela velocidade do cavalo. Tom já vira animais assim, mas o garoto possivelmente não. Era um cavalo de batalha, com o lombo tão alto quanto o queixo de um homem e a largura proporcional. Aqueles cavalos de batalha não eram criados na Inglaterra; vinham do além-mar e eram extremamente caros. O construtor deixou cair o resto do pão no bolso do avental, semicerrou os olhos para se proteger do sol e se virou para o campo. O cavalo estava com as orelhas viradas para trás e as narinas dilatadas, mas pareceu a Tom que sua cabeça estava bem erguida, sinal de que o cavaleiro não perdera totalmente o controle. Na verdade, quando se aproximou mais, o cavaleiro inclinou o tronco para trás e puxou as rédeas, e o grande animal pareceu reduzir um pouco a velocidade. Tom podia sentir agora o martelar dos cascos no solo, sob seus pés. Virou-se para Martha, pensando em pegá-la e pô-la a salvo. A mãe teve a mesma ideia. A menina, porém não estava à vista em parte alguma. No trigal, disse Agnes, mas Tom já pensara nisso e estava atravessando o terreno da casa em largas passadas. Esquadrinhou o trigo ondulante com medo no coração, mas não conseguiu ver a criança.
A única coisa em que pôde pensar foi tentar reduzir a velocidade do cavalo. Passou para a trilha e começou a caminhar na direcção do animal desembestado, com os braços abertos. O cavalo o viu, ergueu a cabeça para olhar melhor, e reduziu sensivelmente o ritmo do galope. Então, para horror de Tom, o cavaleiro o esporeou. Seu maldito tolo!, berrou Tom, embora o cavaleiro não pudesse ouvi-lo. Foi quando Martha saiu do meio do trigal e apareceu na trilha, a alguns metros de Tom. Por um momento ele ficou imóvel, em pânico. Depois se atirou para a frente, gritando e sacudindo os braços, mas aquele era um cavalo de batalha, treinado para acometer hordas ululantes, e nem vacilou. Martha ficou no meio da trilha estreita, olhando espantada, imóvel, para o animal imenso que se lançava sobre ela. Houve um momento em que Tom percebeu, com desespero, que não poderia alcançá-la antes do cavalo. Ele se desviou para um lado, o braço tocando no trigo alto; no último instante o cavalo desviou-se para o outro lado. Um dos estribos chegou a roçar o cabelo fino de Martha; um casco deixou um buraco redondo no chão, junto do seu pezinho descalço; aí ele seguiu, atirando terra em ambos, e Tom pegou-a e apertou-a contra o peito palpitante.
Ficou imóvel por um momento, esmagado pelo alívio imenso, os membros fracos, interiormente arrasado. Aí então sentiu uma onda de ódio contra a irresponsabilidade daquele jovem estúpido no seu enorme cavalo de batalha. Ergueu os olhos, furioso. Lorde William estava parando o animal agora, sentado na sela com o tronco para trás, as pernas esticadas para a frente, puxando as rédeas. O cavalo desviou-se do local da obra. Sacudiu a cabeça e empinou, mas William permaneceu montado. E reduziu a velocidade para meio galope e depois trote, enquanto o conduzia numa volta larga. Martha estava chorando. Tom entregou-a a Agnes e esperou por William. O jovem lorde era um sujeito alto e vigoroso, de cerca de vinte anos; tinha cabelo louro e olhos acanhados que faziam com que parecesse estar sempre fitando o sol. Usava uma túnica preta escura, calções justos também pretos e sapatos de couro com tiras entrecruzadas até os joelhos. Estava bem sentado na sela e não parecia nem um pouco perturbado com o que acontecera. O garoto bobo nem mesmo sabe o que fez, pensou Tom amargamente. Eu gostaria de torcer-lhe o pescoço. William parou o cavalo em frente à pilha de madeira e olhou para os operários. Quem é o encarregado aqui?, perguntou». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.

Cortesia de EPresença/JDACT