domingo, 14 de junho de 2020

O Marido Padre. Contos Libertinos. «Havia muito o padre Gabriel, um dos santos desse eremitério, cobiçava certa mulher de Menerbe, cujo marido, um rematado…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Conto Provençal
«Entre a cidade de Menerbe, no condado de Avinhão, e a de Apt, em Provença, há um pequeno convento de carmelitas isolado, denominado Saint-Hilaire, assentado no cimo de uma montanha onde até mesmo às cabras é difícil o pasto; esse pequeno sítio é aproximadamente como a cloaca de todas as comunidades vizinhas aos carmelitas; ali, cada uma delas relega o que a desonra, de onde não é difícil inferir quão puro deve ser o grupo de pessoas que frequenta essa casa. Bêbados, devassos, sodomitas, jogadores; são esses, mais ou menos, os nobres integrantes desse grupo, reclusos que, nesse asilo escandaloso, o quanto podem ofertam a Deus almas que o mundo rejeita. Perto dali, um ou dois castelos e o burgo de Menerbe, o qual se acha apenas a uma légua de Saint-Hilaire, eis todo o mundo desses bons religiosos que, malgrado sua batina e condição, estão, entretanto, longe de encontrar abertas todas as portas de quantos estão à sua volta. Havia muito o padre Gabriel, um dos santos desse eremitério, cobiçava certa mulher de Menerbe, cujo marido, um rematado cor…, chamava-se Rodin. A mulher dele era uma moreninha, de vinte e oito anos, olhar leviano e nádegas roliças, a qual parecia constituir em todos os aspectos lauto banquete para um monge. No que tange ao Sr. Rodin, este era homem bom, aumentando o seu património sem dizer nada a ninguém: havia sido negociante de panos, magistrado, e era, pois, o que se poderia chamar um burguês honesto; contudo, não muito seguro das virtudes de sua cara-metade, era ele sagaz o bastante para saber que o verdadeiro modo de se opor às enormes protuberâncias que ornam a cabeça de um marido é dar mostras de não desconfiar de os estar usando; estudara para tornar-se padre, falava latim como Cícero, e jogava bem amiúde o jogo de damas com o padre Gabriel que, cortejador astuto e amável, sabia que é preciso adular um pouco o marido de cuja mulher se deseja possuir. Era um verdadeiro modelo dos filhos de Elias, esse padre Gabriel: dir-se-ia que toda a raça humana podia tranquilamente contar com ele para multiplicar-se; um legítimo fazedor de filhos, espadaúdo, cintura de uma alna, rosto perverso e trigueiro, sobrancelhas como as de Júpiter, tendo seis pés de altura e aquilo que é a característica principal de um carmelita, feito, conforme se diz, segundo os moldes dos mais belos jumentos da província. A que mulher um libertino assim não haveria de agradar soberbamente? Desse modo, esse homem se prestava de maneira extraordinária aos propósitos da Sra. Rodin, que estava muito longe de encontrar tão sublimes qualidades no bom senhor que os pais lhe haviam dado por esposo. Conforme já dissemos, o Sr. Rodin parecia fazer vistas grossas a tudo, sem ser, por isso, menos ciumento, nada dizendo, mas ficando por ali, e fazendo isso nas diversas vezes em que o queriam bem longe. Entretanto, a ocasião era boa. A ingénua Rodin simplesmente havia dito ao seu amante que apenas aguardava o momento para corresponder aos desejos que lhe pareciam fortes demais para que continuasse a opor-lhes resistência, e padre Gabriel, por seu turno, fizera com que a Sra. Rodin percebesse que ele estava pronto a satisfazê-la...
Além disso, num breve momento em que Rodin fora obrigado a sair, Gabriel mostrara à sua encantadora amante uma dessas coisas que fazem com que uma mulher se decida, por mais que hesite... Só faltava, portanto, a ocasião. Num dia em que Rodin saiu para almoçar com seu amigo de Saint-Hilaire, com a ideia de o convidar para uma caçada, e depois de ter esvaziado algumas garrafas de vinho de Lanerte, Gabriel imaginou encontrar na circunstância o instante propício à realização dos seus desejos. Oh, por Deus, senhor magistrado, diz o monge ao amigo, como estou contente de vos ver hoje! Não poderíeis ter vindo num momento mais oportuno do que este; ando às voltas com um caso da maior importância, no qual haveríeis de ser a mim de serventia sem par. Do que se trata, padre? Conheceis Renoult, de nossa cidade. Renoult, o chapeleiro. Precisamente. E então?
Pois bem, esse patife me deve cem écus, e acabo de saber que ele se acha às portas da falência; talvez agora, enquanto vos falo, ele já tenha abandonado o Condado... Preciso muitíssimo correr até lá, mas não posso fazê-lo. O que vos impede? Minha missa, por Deus! A missa que devo celebrar; antes a missa fosse para o diabo, e os cem écus voltassem para o meu bolso. Não compreendo: não vos podem fazer um favor? Oh, na verdade sim, um favor! Somos três aqui; se não celebrarmos todos os dias três missas, o superior, que nunca as celebra, nos denunciaria à Roma; mas existe um meio de me ajudardes, meu caro; vede se podeis fazê-lo; só depende de vós. Por Deus! De bom grado! Do que se trata? Estou sozinho aqui com o sacristão; as duas primeiras missas foram celebradas, nossos monges já saíram, ninguém suspeitará do ardil; os fiéis serão poucos, alguns camponeses, e quando muito, talvez, essa senhorazinha tão devota que mora no castelo de... A meia légua daqui; criatura angelical que, à força da austeridade, julga poder reparar todas as estroinices do marido; creio que me dissestes que estudastes para ser padre. Certamente. Pois bem, deveis ter aprendido a rezar a missa. Faço-o como um arcebispo». In Contos Libertinos, O Marido Padre, http://portugues.free-ebooks.net/tos.html, Wikipédia.

Cortesia de Wikipedia/JDACT