sexta-feira, 19 de junho de 2020

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Num vale largo, no sopé de uma encosta íngreme, ao lado de um regato de águas claras e borbulhantes, Tom estava construindo uma casa. As paredes já estavam com três pés de altura e subiam depressa»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Mas não foi ela quem gritou, e sim a mulher do cuteleiro, ao seu lado. No entanto, foi a garota a causa do grito. Ela havia mergulhado de joelhos na frente do cadafalso, com os braços esticados, a posição adoptada para rogar uma praga. Todos recuaram, aterrorizados: sabiam que a praga de quem sofreu injustiça é particularmente efeciva, e todos suspeitavam que havia qualquer coisa de errado naquele enforcamento. Os meninos pequenos ficaram aterrorizados. A garota voltou os hipnóticos olhos dourados sobre os três estranhos, o cavaleiro, o monge e o sacerdote. Depois proferiu a sua praga, pronunciando as palavras terríveis em tom retumbante:

Amaldiçoo vocês com a doença e o infortúnio, com a fome e a dor; sua casa será consumida pelo fogo, e seus filhos morrerão na forca; seus inimigos prosperarão, e vocês envelhecerão na tristeza e no remorso, e morrerão na podridão e na agonia...

À medida que pronunciava as últimas palavras, a garota enfiou a mão num saco que estava no chão ao seu lado e puxou um galo vivo. Apareceu uma faca na sua mão, surgida do nada, e com um único golpe ela cortou a cabeça da ave. Enquanto o sangue ainda estava jorrando do pescoço cortado, ela atirou o galo degolado sobre o sacerdote de cabelo preto. Não chegou a alcançá-lo, porém o sangue espalhou-se nele, no monge e no cavaleiro, um de cada lado. Os três homens viraram-se enojados, mas o sangue borrifou em cada um deles, sujando-lhes o rosto e as roupas.
A garota voltou-se e saiu correndo.
A multidão abriu-se na sua frente e fechou-se nas suas costas. Por uns poucos momentos houve um pandemónio. Até que por fim o xerife conseguiu chamar a atenção dos soldados e, furioso, mandou que a perseguissem. Eles começaram a lutar para atravessar a multidão, empurrando brutalmente homens, mulheres e crianças, mas a garota desapareceu num abrir e fechar de olhos, e embora o xerife a procurasse, sabia que não a encontraria.
Ele se afastou, enojado. O cavaleiro, o monge e o sacerdote não tinham acompanhado a fuga da garota. Estavam ainda com os olhos fixos no patíbulo. O xerife seguiu-lhes a dircção do olhar. O ladrão morto estava pendurado no laço da forca, o rosto jovem e pálido já ficando azulado; sob o corpo que balançava suavemente no ar, o galo sem cabeça, mas ainda não de todo morto, corria em círculos irregulares na neve manchada de sangue.

1135 - 1136
Num vale largo, no sopé de uma encosta íngreme, ao lado de um regato de águas claras e borbulhantes, Tom estava construindo uma casa. As paredes já estavam com três pés de altura e subiam depressa. Os dois pedreiros que Tom contratara trabalhavam disciplinadamente à luz do sol, as colheres de pedreiro fazendo scrap, slap e depois tap, tap, enquanto o servente suava sob o peso de grandes blocos de pedra. Alfred, o filho de Tom, estava preparando a massa, contando em voz alta enquanto colocava areia em cima de uma tábua. Havia também um carpinteiro, trabalhando numa bancada ao lado de Tom, modelava cuidadosamente um pedaço de madeira com uma enxó.
Alfred tinha catorze anos de idade, e quase a mesma altura de Tom, que era uma cabeça mais alto que a maioria dos homens. Seu filho estava com apenas algumas polegadas a menos, e continuava a crescer. Eles se pareciam, também; o cabelo de ambos era castanho-claro e os olhos esverdeados raiados de castanho. As pessoas diziam que formavam uma bonita dupla. A principal diferença entre eles era que Tom tinha barba ondulada castanha, ao passo que no rosto de Alfred havia apenas uma fina penugem loura. O cabelo do rapaz já tinha sido daquela cor, lembrou o pai afectuosamente. Agora que ele estava se tornando um homem, Tom desejava que se interessasse pelo seu trabalho, pois teria muito a aprender se quisesse ser pedreiro como o pai; até então, porém, Alfred se mostrara entediado e frustrado com os princípios da construção.
Quando a casa estivesse terminada, seria a mais luxuosa em muitas milhas. No andar térreo haveria apenas uma espaçosa galeria, para armazenagem, com o tecto em abóbada, afim de não pegar fogo. O salão, onde as pessoas realmente iriam morar, ficaria em cima, com acesso por uma escada externa, e a sua altura dificultaria o ataque e facilitaria a defesa. Junto do salão haveria uma chaminé, para dar tiragem à fumaça. Aquilo era uma inovação radical: Tom só tinha visto uma única casa com chaminé, mas achara uma ideia tão boa que estava determinado a copiá-la». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5.

Cortesia de EPresença/JDACT