quinta-feira, 25 de junho de 2020

Viriato. Teófilo Braga. «Desta o Pastor nasceu, que no seu nome se vê que de homem forte os feitos teve; cuja fama ninguém virá que dome…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«A Alma portuguesa caracteriza-se pelas manifestações seculares persistentes do tipo antropológico e étnico, que se mantêm desde as incursões dos Celtas e lutas contra a conquista dos Romanos até à resistência diante das invasões da orgia militar napoleónica. São as suas feições:

A tenacidade e indomável coragem perante as maiores calamidades, com a fácil adaptação a todos os meios cósmicos, pondo em evidência o seu génio e acção colonizadora.

Uma profunda sentimentalidade, obedecendo aos impulsos que a levam às aventuras heróicas, e à idealização afectiva, em que o Amor é sempre um caso de vida ou de morte. Capacidade especulativa pronta para a percepção de todas as doutrinas científicas e filosóficas, como o revela Pedro Julião (Hispano), na Idade Média Francisco Sanches Garcia da Orta, Pedro Nunes e os Gouveias, na Renascença. Um génio estético, sintetizando o ideal moderno da Civilização ocidental, como em Camões, reconhecido por Alexandre Humboldt como o Homero das línguas vivas.
O cantor das grandes Navegações foi quem teve a mais alta compreensão do génio nacional; a alma Portuguesa achou no seu Poema a encarnação completa. Quando Camões descreve nos Lusíadas, geográfica e historicamente Portugal, referindo-se à tradição da antiga Lusitânia, relembra o vulto que simboliza a sua vitalidade resistente, diante da incorporação romana da península hispânica:

Eis aqui, quase cume da cabeça
Da Europa toda, o reino Lusitano,
Onde a terra se acaba, e o Mar começa,
E onde Febo repousa no Oceano.

Esta é a ditosa Pátria minha amada,
Esta foi Lusitânia.

Desta o Pastor nasceu, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve;
Cuja fama ninguém virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.
(Cant. III, st. XX a XXII.)

Deixo..., atrás a fama antiga
Que com a Gente de Rómulo alcançaram,
Quando com Viriato na inimiga
Guerra romana tanto se afamaram.
Também deixo a memória, que os obriga
A grande nome, quando a levantaram
Por um seu Capitão, que, peregrino,
Fingiu na Cerva espírito divino.
(Cant. I, st. XXVI.)

No tempo do grande épico ainda se não tinha perdido o conhecimento da relação de continuidade histórica entre Portugal e a antiga Lusitânia, mais vasta e por isso mais violentamente retalhada pela administração imperial romana. Esse conhecimento, embora confundido com as lendas sincréticas dos falsos Cronicões, influiu na consciência do nosso individualismo étnico e nacional. O esforço de desnacionalização de Portugal pela política da unificação ibérica, veio até reflectir-se nos próprios historiadores pátrios, levando-os a considerar Portugal uma formação recente, adventícia, sem individualidade, e a Lusitânia quase como uma ficção banal dos eruditos da Renascença! Mas o carácter persistente do tipo português, a resistência tenaz contra todos os conflitos da natureza e pressões da vida, que tanto o distingue entre os povos modernos, é a prova manifesta da raça lusitana como a descreveram os geógrafos gregos e romanos. Nas lutas pela liberdade territorial a Lusitânia deixou nos historiadores greco-latinos o eco da sua resistência indomável, sobretudo no Ciclo das Guerras viriatinas, que se reacenderam ainda sob o comando de Sertório». In Teófilo Braga, (1843-1924), Viriato, 1904, Projecto Livro Livre, Iba Mendes, LD nº 292, 2019, www.poeteiro.com.

Cortesia de IMendes/JDACT