sábado, 20 de junho de 2020

Mistérios Sombrios do Vaticano. Paul Jeffers. «Quando leio as histórias dessas vítimas, é difícil entender como foi possível que sacerdotes tenham traído desse jeito. A missão deles era dar a cura…»

jdact e wikipedia

Os Tesouros do Vaticano
Sacerdotes malcomportados
(…) Casos desse tipo estão sujeitos ao segredo pontifício, concluía a carta de Ratzinger. A violação do segredo pontifício a qualquer momento enquanto a ordem da jurisdição de dez anos estivesse em vigor acarretaria penalidades, inclusive a ameaça de excomunhão. A carta foi mencionada em documentos relativos a uma acção movida naquele ano contra Ratzinger e uma igreja no Texas em nome de duas supostas vítimas de abuso. Ao enviar a carta, alegavam os advogados, o cardeal conspirou para obstruir a justiça. Daniel Shea, advogado das duas supostas vítimas que descobriu a carta, disse:

E fala por si mesma. É uma obstrução da justiça. (…)

Shea criticou a ordem segundo a qual acusações de abuso deveriam ser investigadas apenas por tribunais secretos. Eles estão impondo procedimentos e segredo nesses casos. Se as agências encarregadas da aplicação da lei descobrirem o caso, podem lidar com ele. Mas não pode investigar um caso se não souber da sua existência. Se você conseguir mantê-lo em segredo por dezoito anos mais dez, o padre vai fugir, acrescentou Shea.
Quando o papa Bento XVI fez a sua primeira visita aos Estados Unidos em Abril de 2008, disse aos repórteres que estavam no seu avião a caminho de Washington, D.C., que o abuso sexual de crianças é um grande sofrimento para a Igreja nos Estados Unidos e para a Igreja em geral, e para mim pessoalmente. Ele disse:

Quando leio as histórias dessas vítimas, é difícil entender como foi possível que sacerdotes tenham traído desse jeito. A missão deles era dar a cura, dar o amor de Deus a essas crianças. Estamos profundamente envergonhados e faremos o que for possível para que isso não aconteça no futuro.

Fazendo uma distinção entre sacerdotes com tendências homossexuais e aqueles com inclinação para molestar crianças, o pontífice disse: eu não falaria neste momento sobre homossexualidade, mas sobre pedofilia, que é outra coisa. E nós certamente excluiríamos os pedófilos do ministério sagrado. Afirmando que qualquer pessoa culpada de pedofilia não pode ser um sacerdote, ele disse que funcionários da Igreja iriam visitar os seminários que formam os futuros sacerdotes para se certificar de que esses candidatos não têm tais tendências. Faremos tudo o que for possível para ter um forte discernimento, porque é mais importante ter bons sacerdotes do que ter muitos sacerdotes, disse. Esperamos ter feito, fazer e continuar fazendo no futuro, tudo o que for possível para curar essa ferida.
Os arquivos do Vaticano e os anais do cristianismo de quase 2 mil anos atrás contêm relatos da luta contra delitos sexuais. No ano 390 d.C., o imperador Valentiniano II foi fortemente influenciado por suas crenças cristãs ao decretar que os homens que cometessem sodomia deveriam expiar um crime dessa natureza nas chamas vingadoras à vista do povo. Na Inglaterra do século VII, um livro que falava dos crimes sexuais cometidos por clérigos contra crianças, o Penitential Bede, sugeria que os clérigos que cometessem sodomia com crianças deveriam receber penalidades severas, dependendo do seu posto. Em 1179 d.C., um concílio da Igreja decretou que os clérigos que tivessem cometido pecados contra a natureza fossem confinados a um mosteiro para o resto da vida ou forçados a deixar a Igreja. No século XVI, o papa Pio IV emitiu o primeiro decreto papal condenando o abuso sexual por sacerdotes. Outra instrução importante da Igreja, Sacramentum Poenitentiae, emitida em 1º de Junho de 1741 pelo papa Bento XIV, decretou que todas as tentativas dos padres de levar os fiéis a manterem relações sexuais fossem condenadas. Em 1917, foi promulgado um código canónico que condenava o abuso sexual. Nova legislação sobre o assunto foi promulgada em 1922.
Em 2003, quando se descobriu o édito secreto de 1962 do papa João XXIII, a agência de notícias do The New York Times informou:

A crise sobre abusos sexuais que vem engolindo a Igreja Católica Romana nos últimos doze meses espalhou-se por praticamente todas as dioceses norte-americanas e envolve mais de 1,2 mil padres, a maioria com carreiras que abrangem uma mistura de história da igreja e formação em seminários. Esses sacerdotes teriam abusado de mais de 4 mil menores nas últimas seis décadas de acordo com uma ampla pesquisa do New York Times com casos documentados de abuso sexual cometidos por padres até 31 de Dezembro de 2002. A pesquisa, considerada a mais completa reunião de dados sobre o problema, contém nomes e histórias referentes a 1.205 padres acusados. Reuniu 4.268 pessoas que afirmavam publicamente ou por meio de acções judiciais terem sido abusadas por padres, embora os especialistas digam que certamente há muito mais pessoas que mantiveram silêncio. Os dados, porém, mostram que os padres violavam secretamente jovens vulneráveis muito antes de as primeiras vítimas processarem a Igreja e virem a público em 1984, na Louisiana. Alguns crimes datam da década de 1930.
In Paul Jeffers, Mistérios Sombrios do Vaticano, 2012, tradução de Elvira Serapicos, Editora Jardim dos Livros, 2013, ISBN 978-856-342-018(7)-3(6).

Cortesia de EJLivros/JDACT