domingo, 14 de junho de 2020

Kamasutra ou Aforismos sobre o Amor. O ilustrador enquanto tradutor visual e verbal. Mariana Rebelo Costa. «A obra de Vatsyayana é talvez uma das mais antigas que aborda temas como o amor, o erotismo e a sexualidade, amplamente reconhecida…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Relatório de Projecto
«O projecto prático Kamasutra ou Aforismos sobre o Amor é a materialização das noções desenvolvidas ao longo deste relatório de projecto, em torno do papel/ função do ilustrador enquanto tradutor visual, pela sua capacidade em gerar novas significações e diferentes contextos, reunindo condições favoráveis para a criação de uma nova linguagem e novas realidades. A competência do ilustrador/ tradutor em produzir novos códigos e signos, próprios da linguagem visual, pressupõe o entendimento de algumas noções estruturais da linguística que se consideram ser transversais ao campo visual. O resultado é a criação de um híbrido entre livro de texto e livro ilustrado, que procura transmitir e integrar os conceitos e ideologias compreendidas na obra original Kamasutra de Vatsyayana, na tentativa de a estabelecer num novo contexto social e cultural, distinguindo-se da abordagem e estética desenvolvida ao longo dos últimos tempos, desde a sua incidência nos países ocidentais». In Resumo

«O Kamasutra é um texto que se pensa ter cerca de 2.000 anos de existência, escrito originalmente por Vatsyayana, um filósofo indiano que terá vivido num período conhecido pelas grandes contribuições para a literatura sânscrita e para a cultura védica. Uma obra sofisticada, geradora de controvérsia e conhecida um pouco por todo o mundo. No entanto, o seu conhecimento não teve início, no mesmo momento, em toda a área geográfica mundial, pelo que, a sua primeira tradução do sânscrito para a língua inglesa, terá sido apenas realizada no ano de 1883, pelo escritor, linguista e antropólogo inglês sir Richard Francis Burton, marcando assim a entrada da obra nos países ocidentais e o início da sua jornada, alvo de múltiplas interpretações e apropriações. A obra de Vatsyayana é talvez uma das mais antigas que aborda temas como o amor, o erotismo e a sexualidade, amplamente reconhecida pelo seu trecho referente às posições que podem ser assumidas por um casal durante a copulação. O interesse pelo Kamasutra, gerador de imensa curiosidade mas pouca análise, retido como um escândalo no universo e realidade dos países ocidentais, foi o mote inicial desta investigação, que deu origem ao capítulo 1 do relatório de projecto. As opiniões expressas por Wendy Doniger e Sanjay K. Gautam, nas suas obras The Mare’s Trap e Foucault and the Kamasutra, respectivamente, são revelantes nesta investigação, porque julgamos que clarificam o sentido original do texto. O Kamasutra é um livro que visa o equilíbrio entre o poder religioso, político e social / cultural, considerados centrais na vida pessoal, individual e colectiva de cada indivíduo. Redigido na forma de manual espiritual e educativo, o seu objectivo é o de ensinar a gerir as nossas experiências individuais ou compartilhadas (relacionamentos), perspectivando o alcance dos vários prazeres da vida e, consequentemente, a felicidade, o bem-estar, a plenitude. No entanto, o factor curiosidade e novidade, revelado pelos ocidentais, terá transformado a obra num pequeno texto erótico, baseado apenas num dos sete subcapítulos da obra, referente às posições sexuais; numa altura em que diálogos e discussões, relativas ao tema da sexualidade, eram mantidas em silêncio e constituídas como assunto tabu. Os restantes subcapítulos terão caído no esquecimento ou, simplesmente, nunca terão sido conhecidos pelo público em geral. Como resultado, o Kamasutra tornou-se, para a sociedade em geral, um assunto pouco sério e trivial, um livro que implica pouca ou nenhuma reflexão ou, nalguns dos casos, até, motivo de vergonha, corroborando a trivialidade que se constitui para alguns; a descontextualização e as interpretações, sob as mais variadas formas de exploração visual, que advieram com base na obra Kamasutra, revelaram-se apenas fracas conjecturas de um livro tão extenso e repleto de conceitos como este, o que terá gerado um distanciamento por parte do público em relação ao real significado da mesma. Como tal, motivados pela inexistência de artefactos / projectos que se considerassem expressar o verdadeiro conteúdo da obra e pela descontextualização sofrida desde a sua entrada no espaço geográfico ocidental, existiu a necessidade de encontrar, no desenvolvimento desta investigação, o papel do ilustrador enquanto intermediário entre o sentido original de um texto e o seu receptor, por meio da ilustração. O ilustrador vê-se, então, preso no papel de tradutor de significados, conceitos e ideologias, inicialmente expressos através da linguagem verbal, em matéria visual; desenvolvendo métodos de construção de significado que o capacitem para a transmissão dos conceitos que realmente sustentam o Kamasutra. Neste sentido, pretende-se compreender quais as características transversais à linguística e ao campo visual, na compreensão das linhas do pensamento e da lógica que guiam o processo de codificação em ambos os sistemas de linguagem. A procura de métodos de construção de significado e de tradução de conceitos em matéria visual, percorreu os caminhos da hermenêutica, a arte ou técnica de interpretar e explicar um texto ou discurso, aplicada à área da ilustração, assim como o entendimento de algumas noções básicas de semiótica, retórica e pragmática. A narrativa visual torna-se essencial na compreensão de como todos estes conceitos se podem inserir no campo das imagens, na estruturação de caminhos que guiam o leitor/ espectador pela sequência de eventos criados e, neste sentido, perceber como podem coexistir texto (que nem sempre assume, necessariamente, uma existência física) e imagem num mesmo artefacto e, consequentemente, a sua importância na eficácia da transmissão de uma determinada mensagem. (…) O projecto prático Kamasutra ou Aforismos sobre o Amor surge precisamente, ora das semelhanças que partilha com os casos de estudo ao nível formal e / ou conceptual, ora pelas diferenças, neste caso, também elas determinantes no processo de tomada de decisões […]. In Mariana Rebelo Costa, Kamasutra ou Aforismos sobre o Amor. O ilustrador enquanto tradutor visual e verbal, Dissertação de Mestrado, Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto, Relatório de Projecto, 2018.

Cortesia de FBArtes/UPorto/JDACT