sábado, 27 de junho de 2020

O Enigma de Compostela. AJ Barros. «Desde que se envolvera na trama do O Conceito Zero e denunciara o grupo que pretendia proclamar a independência da Amazónia, separando-a do Brasil…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Logo na saída de Roncesvalles está um dos muitos emblemas do Caminho, que chamam de Cruz do Peregrino, uma cruz do século XIV, com a figura de Sancho, o Forte, com 2,2 metros, que teria sido a sua altura, e da sua esposa, Clemência. O corpo do monarca, que venceu batalhas importantes para o cristianismo e morreu em 1234, está numa capela ao lado do claustro da Colegiata.
Com a mochila nas costas, cajado e a máquina fotográfica pendurada no pescoço, voltou para a trilha e apressou o passo para tentar chegar a Larrasoana antes do escurecer, mas, para isso, precisava recuperar o tempo perdido com o depoimento. Durante centenas de anos milhões de pessoas irrigaram aquele mesmo trajecto com suor, esperanças e temores. O cansaço, o desespero dos que se perdiam, o medo das sombras que ocultavam todo o tipo de perigo, as curas e os relatos de factos misteriosos foram gerando lendas e milagres.
Essa percepção de que estava iniciando um roteiro único no mundo tomou conta dele e o fez esquecer o assassinato do padre. Sentia-se privilegiado e orgulhoso por enfrentar de novo o desafio dessa caminhada, como se a energia de todos aqueles que por ali passaram o contagiasse. Um peregrino o saudou com o cumprimento tradicional do Caminho: Ultreia et suseia! E ele respondeu: Ultreia!
Essas expressões originam-se do latim. Ultreia é formada por duas palavras, ultra (mais) e eia (lá), enquanto que suseia significa mais alto, para cima. São expressões tiradas de uma antiga canção basca, citada no Código Calixtino, de Aymeri.
Hoje, no entanto, a saudação que os peregrinos ouvem durante várias vezes ao dia é: Buen Camino.

Da solidão e do medo, surgem os fantasmas, e antigamente os peregrinos se assustavam com as bruxas que acompanhavam o ruído dos ventos que vinham dos bosques de Irati. Os locais acreditavam que, quando o vento soprava através do bosque, apareciam bruxas com um sudário acompanhando um esqueleto que trazia sobre o crânio uma coroa real. Quando a mãe de Henrique IV foi envenenada em Paris, seu corpo foi tomado pelas lãmias, monstros com corpo de dragão e rostos de mulheres bonitas, e desde então elas fazem cavalgadas no bosque de Irati, carregando o corpo da rainha.
O peregrino não atravessa esses bosques, que ficam à esquerda do Caminho, mas a sua proximidade desperta receios que se escondem no fundo da mente e escolhem momentos turvos para vir à tona. Havia uma ameaça implícita naquela charada e a insegurança o mantinha alerta.
Depois de passar por Burguete e Espinhal, atravessou os bosques do Meskiritz, saboreando de novo a solidão da trilha monótona escondida sob o arvoredo das montanhas. Os ruídos da floresta e as sombras, que se moviam com o balançar dos galhos, às vezes o assustavam, mas aos poucos foi se acostumando com os códigos da natureza. Perto das quatro horas da tarde chegou a Zubiri, vilarejo que significa povo da Ponte em euskera, a língua basca. Logo na chegada, o peregrino atravessa uma ponte gótica chamada Ponte da Raiva, porque os antigos criadores acreditavam que, fazendo os animais dar três voltas ao redor dela, eles se livravam dessa doença.
Teria ainda mais cinco quilómetros até Larrasoana, onde pretendia chegar antes do escurecer. Vencera as trilhas difíceis do Alto de Meskiritz e do Alto do Erro. Atravessara bosques onde antigamente se escondiam bandidos e animais selvagens, e respirara o ar puro de um dia agradável, parando às vezes para comer um pouco de amoras silvestres da beira do Caminho e contemplar as paisagens distantes das quais ia em breve fazer parte.
Desde que se envolvera na trama do O Conceito Zero e denunciara o grupo que pretendia proclamar a independência da Amazónia, separando-a do Brasil, pensava que ainda poderia ser vítima de alguma represália. Passara a ficar mais atento e tudo lhe parecia suspeito. A organização que havia tentado a divisão do Brasil não era composta apenas das pessoas que foram presas.
Não conseguia também tirar da cabeça a menina de 12 anos que poderia ter sido brutalmente violentada pelo assassino. Sim, sem dúvida que o espanhol não caíra no precipício por algum descuido, e aquele cajado, com ponta de metal como se fosse uma espada, levava à suspeita de que fora preparado para eliminar o pobre homem. Mas porquê? Só para violentar a menina? Um assassino comum faria isso». In AJ Barros, O Enigma de Compostela, Luz da Serra, Geração Editorial, 2009, ISBN 978-856-150-127-3.

Cortesia de GEditorial/JDACT