sexta-feira, 5 de junho de 2020

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «Alguns dados anedóticos apontam efectivamente para um declínio demográfico da população muçulmana em Portugal durante os séculos XIV e XV»

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Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497
Demografia e distribuição geográfica
«(…) As extensas pesquisas em arquivos realizadas por Losa e Durand revelaram que os muçulmanos no Norte de Portugal nos séculos XII e XIII eram, na sua maioria, indivíduos ou pequenos grupos isolados ou geralmente escravos alforriados. Estes indivíduos isolados, sobretudo escravos ou antigos escravos, não tinham qualquer estrutura ou liderança religiosa e acabaram por se converter e integrar rapidamente na sociedade cristã. Apenas alguns muçulmanos forros se estabeleceram no Norte. Existem registos de um certo Sa'ld e sua mulher residindo em Guimarães em Julho de 1292, e outro indivíduo, chamado Duran mouro, residia aparentemente no Sobrado (perto do Porto) em 1330. Em 1415, o rei João I doou um edifício arruinado que foi mesquita dos mouros em Marialva ao seu condestável, mas este edifício podia ter sido a ruína de uma antiga mesquita anterior à conquista e cuja memória sobrevivera até àquela data. Não se encontraram até hoje quaisquer provas da existência de comunas muçulmanas, ou mesmo mourarias, nas cidades do Porto, Braga, Lamego, Guimarães, Viseu, Guarda e Covilhã, quer no século XIV, quer no século XV. Uma das constituições do Sínodo de Braga, reunido em 1477, afirmava categoricamente que não existiam muçulmanos livres na arquidiocese de Braga.
A ausência de dados demográficos precisos impede qualquer determinação do número de judeus e muçulmanos residentes em Portugal na Idade Média. Provas indirectas sugerem que, pelo menos no século XV, em Portugal, os judeus eram mais numerosos que os muçulmanos. Uma comparação do imposto individual cobrado a ambas as minorias, em l482-1483, revela que os montantes pagos pelos judeus excediam largamente aqueles pagos por muçulmanos. Só na vila fronteiriça de Elvas é que o montante do imposto pago pela comunidade muçulmana ultrapassava o da comunidade judaica. A estimativa mais recente de Tavares, baseada no sisão cobrado aos judeus em 1496, coloca o número total de judeus a residir em Portugal num máximo de 30 000 almas. Se a população total de Portugal era cerca de um milhão, isso representaria, aproximadamente, 3% desse total.
Alguns dados anedóticos apontam efectivamente para um declínio demográfico da população muçulmana em Portugal durante os séculos XIV e XV. O número significativo de documentos régios que se referem, directa ou indirectamente, à emigração ilegal de muçulmanos da maioria das cidades e vilas do Sul de Portugal, incluindo Lisboa, Elvas, Moura, Évora, Tavira e Beja, para a vizinha Castela, o emirado de Granada ou mesmo para o Norte de África oferece uma indicação clara da importância desse declínio. Todas as propriedades que os emigrantes deixavam ficar eram automaticamente confiscadas pela Coroa e posteriormente doadas ou arrendadas a cristãos. Ainda mais expressiva era a aparente falta de potenciais cônjuges em muitas comunidades muçulmanas portuguesas, o que as levava a procurar integrar os escravos forros. Com efeito, entre 1463 e 1487, as comunas muçulmanas de Loulé, Tavira, Santarém, Lisboa, Moura, Elvas e Beja pediram, com êxito, à Coroa lhes concedesse o direito de comprar escravos muçulmanos de ambos os sexos para os alforriar e com eles casar. Explicaram que não ousavam fazê-lo por causa das ordenações régias que limitavam a alforria de escravos, e a Coroa satisfez-lhes o pedido». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.

Cortesia de E70/JDACT