quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A Águia e o Dragão. Serge Gruzinski. «Em 1520, Carlos V, Francisco I e Henrique VIII são os astros ascendentes da cristandade latina. Regente de Castela desde 1517…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Que horas são lá..., do outro lado?, havíamos nos interrogado sobre a natureza dos vínculos que se estabeleceram desde o século XVI entre o Novo Mundo e o mundo muçulmano. Essas regiões foram então confrontadas com os primeiros efeitos da expansão europeia sobre o globo. Colombo estava convencido de que a sua descoberta forneceria o ouro com o qual os cristãos retomariam Jerusalém e esmagariam o islão. O Império Otomano, por sua vez, se inquietava por ver um continente desconhecido pelo Alcorão e pelos sábios do islão entregue à fé e à rapacidade dos cristãos. Não se poderia abordar a globalização que progressivamente fez do globo o cenário de uma história comum sem considerar o que se deu desde essa época entre terras do islão, da Europa e da América. Mas será suficiente? Se a adjunção de uma quarta parte do mundo é o registo de nascimento da globalização ibérica, a irrupção da China nos horizontes europeus e americanos constitui outra perturbação. O facto de ela ter sido, com poucos anos de diferença, contemporânea ao descobrimento do México deveria ter chamado nossa atenção mais cedo, mas o nosso olhar, por longo tempo retido pela Mesoamérica, havia esquecido que ela não é o extremo do mundo: como repetiam os antigos mexicanos, é o meio. No século XVI, por duas vezes os ibéricos visaram conquistar a China. Mas o desejo deles nunca se realizou. Parafraseando o título da célebre peça de Jean Giraudoux, A guerra da China não acontecerá. Alguns, um pouco tarde, lamentarão isso. Outros, junto connosco, reflectirão sobre aquilo que nos ensinam essas veleidades de conquista, contemporâneas da colonização das Américas e da exploração do oceano Pacífico. China, Pacífico, Novo Mundo e Europa ibérica são os protagonistas de uma história que surge do seu encontro e enfrentamento. Essa história se resume numa simples frase: no mesmo século, os ibéricos falham na China e têm êxito na América. É isso que nos é revelado por uma história global do século XVI, concebida como outra maneira de ler o Renascimento, menos obstinadamente euro-centrada e, sem dúvida, mais em harmonia com o nosso tempo.

Dois Mundos Tranquilos
Em 1520, Carlos V, Francisco I e Henrique VIII são os astros ascendentes da cristandade latina. Regente de Castela desde 1517, sagrado rei da Germânia em 1520, Carlos de Gand nasceu com o século. Francisco I torna-se rei da França em 1515 e Henrique VIII, da Inglaterra em 1509. Em Portugal, o velho Manuel I, o Venturoso, ainda tem força suficiente para contrair novas núpcias, agora com a irmã do rei Tudor. Diante dos rivais franceses e ingleses, Carlos de Gand e Manuel I alimentam ambições oceânicas que projectam os seus reinos em direcção a outros mundos. Em Novembro de 1519, um aventureiro espanhol, Hernán Cortés, à frente de uma pequena tropa de infantes e de cavaleiros, entra em México-Tenochtitlán. Em Maio de 1520, uma embaixada portuguesa, de efectivos ainda mais modestos, penetra em Nanjing. É nessa cidade que o emissário Tomé Pires é recebido pelo imperador da China, Zhengde». In Serge Gruzinski, A Águia e o Dragão, Edições 70, 2015, ISBN 978-972-441-844-5.

Cortesia de E70/JDACT