quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Amandine. Marlena de Blasi. «Ou um fidalgo de sangue azul e meios limitados? Sim, você completará a nossa mesa agradavelmente por duas semanas…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Como todos de sua laia. De todos os garotos e homens para quem Andzelika podia ter-se entregado, porque ele? Que atracção venenosa é essa que liga a família dele e a minha? Duas mortes não foram o suficiente para extingui-la? Se ao menos eu tivesse compreendido quem ele era naquela primeira noite... Intensos olhos negros, a mão branca e delicada mexendo naquela cabeleira brilhante. Um desprezo bolchevique lá no fundo da sua cortesia. Posso ouvir Stas dizendo, Ciotka Valeska, tia Valeska, deixe-me apresentar o meu amigo do colégio, Piotr Droutskoy. Sim, sim, seja bem-vindo. É claro, seja bem-vindo. Seu nome não significa nada, você não significa nada. Outro cavaleiro errante, não é? Ou um fidalgo de sangue azul e meios limitados? Sim, você completará a nossa mesa agradavelmente por duas semanas. Eu deveria ter atirado nele bem ali no pátio, à luz fraca das torchières. Se eu tivesse percebido. Em vez disso, eu o acolhi. O amiguinho de Stas. Sim, sim, por favor, fique. Adam foi logo levar as coisas deles para o terceiro andar. E então ele possuiu Andzelika. O irmão da adorada libertina de Antoni possuiu minha filha. O irmão da encantadora baronesa Urszula. Urszula. Seus largos quadris ticianescos enroscados no meu marido mesmo na morte. Quantas noites teriam eles dormido assim? As expedições de caça de Antoni, os seus negócios em Praga, em Viena. Visitas às fazendas, às vilas. Sempre com ela. Sempre com Urszula. Dois disparos de uma pistola para que os dois pudessem dormir daquele jeito para sempre. Será que nunca me verei livre da visão dela, dos dois?
Toussaint estava de pé atrás de mim enquanto eu olhava da porta aquela manhã, as suas mãos como ferro sobre os meus ombros. O que foi que ele sussurrou então? Até Rudolf e sua baronesa tiveram a decência de se cobrir. Toussaint então colocou-se na minha frente, abaixou-se para pegar o kontusz de Antoni, que tinha sido atirado às lajotas de mármore do chão. Como ele adorava aquele casaco, o símbolo da sua comiseração pelos camponeses. Deixava abertas as mangas, erguia-as até bem acima das da camisa ou do casaco de couro e lá ia ele, a brisa inflando a longa peça de roupa. Toussaint cobriu-os com o casaco, a mortalha certa para um bom szlachta e a sua amada. Ainda me lembro de quando era eu a sua amada». In Marlena de Blasi, Amandine, 2010, Editora Record, 2014, ISBN 978-850-140-017-8.

Cortesia de ERecord/JDACT