domingo, 13 de outubro de 2019

A Cabana. William P. Young. «É claro que as tempestades também interrompem negócios, e, embora umas poucas empresas tenham um ganho extra, outras perdem dinheiro, o que significa que existem os que não sentem júbilo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«[…]
O que acontece é que as coisas que ele diz causam um certo desconforto num mundo onde a maioria das pessoas prefere escutar o que está acostumada a ouvir, o que frequentemente não é grande coisa. Os que o conhecem geralmente gostam muito de Mack, desde que ele mantenha guardados os seus pensamentos. Porque as coisas que Mack diz nem sempre deixam as pessoas muito satisfeitas com elas mesmas. Uma vez Mack me contou que quando era jovem costumava abrir-se com mais liberdade, mas admitiu que a maior parte dessas conversas era um mecanismo de sobrevivência para encobrir as suas feridas. Frequentemente acabava derramando a dor sobre quem estivesse por perto. Disse que tinha prazer em apontar as falhas das pessoas e humilhá-las para manter o seu sentimento de falso poder e controle. Nada muito elogiável. Enquanto escrevo estas palavras, reflicto sobre o Mack que sempre conheci: um sujeito bastante comum e certamente sem nada de especial, a não ser para os que o conhecem de verdade. Vai fazer 56 anos e não chama a atenção, está ligeiramente acima do peso, é meio careca, baixo e branco, uma descrição que serve para muitos homens dessas redondezas. Provavelmente não o notaria numa multidão nem se sentiria incomodado sentado ao seu lado enquanto ele dormitava no comboio que o leva à cidade para a reunião semanal de vendas. Faz a maior parte do seu trabalho num pequeno escritório na sua casa na Wildcat Road, Vende alguma engenhoca de alta tecnologia que eu não pretendo entender: trecos eletrónicos que de algum modo fazem tudo andar mais depressa, como se a vida já não fosse rápida demais. Você só percebe como Mack é inteligente quando, por acaso, escuta diálogo dele com um especialista. Já vivi algumas situações dessas quando a língua falada mal parecia com a nossa e eu me via lutando para captar os conceitos que jorravam como um rio de jóias despencando de uma cachoeira. Ele consegue falar com inteligência sob quase tudo e, apesar da força de suas convicções, Mack tem um modo gentil e respeitoso que deixa manter as suas [...]» In Prefácio

«Duas estradas se bifurcaram no meio da minha vida, ouvi um sábio dizer. Peguei a estrada menos usada. E isso fez toda a diferença cada noite e cada dia. Março desatou uma torrente de chuvas depois de um Inverno de secura anormal. Uma frente fria desceu do Canadá e foi contida por rajadas de vento que rugiam pelo desfiladeiro, vindas do leste do Oregon. Ainda que a Primavera certamente estivesse logo ali, depois da esquina, o deus do Inverno não iria abandonar sem luta o seu domínio conquistado com dificuldade. Havia um cobertor de neve recente nas Cascades, e agora a chuva congelava ao bater no chão do lado de fora da casa. Motivo suficiente para Mack se enroscar com um livro e uma sidra quente, aconchegando-se no calor do fogo que estalava na lareira. Mas, em vez disso, ele passou a maior parte da manhã no computador. Sentado confortavelmente no escritório de casa, usando calças de pijama e uma camiseta, ele deu telefonemas de vendas. Parava com frequência, ouvindo o som da chuva cristalina tilintar na janela e vendo o acúmulo vagaroso mas constante do gelo lá fora. Estava tornando inexoravelmente prisioneiro do gelo na sua própria casa, e com muito prazer. Há algo agradável nas tempestades que interrompem a rotina. A neve ou a chuva gélida nos liberam subitamente das expectativas, das exigências de resultados e da tirania dos compromissos e dos horários. Ao contrário da doença, esta é uma experiência mais colectiva do que individual. Quase podemos ouvir um suspiro de alívio erguer-se em uníssono na cidade próxima e no campo, onde a natureza interveio para dar uma folga aos exaustos seres humanos. Todos os afectados pela tempestade são unidos por uma desculpa mútua. De súbito e inesperadamente o coração fica um pouco mais leve. Não serão necessárias desculpas por não comparecer a algum compromisso. Todos entendem e compartilham a mesma justificativa, e a retirada súbita de qualquer pressão alegra a alma.
É claro que as tempestades também interrompem negócios, e, embora umas poucas empresas tenham um ganho extra, outras perdem dinheiro, o que significa que existem os que não sentem júbilo quando tudo fecha temporariamente. Mas é impossível culpar alguém pela perda de produção ou por não conseguir chegar ao escritório. Mesmo que a situação só dure um ou dois dias, de algum modo cada pessoa se sente dona do seu mundo simplesmente porque aquelas gotinhas de água congelam ao bater no chão. Até as actividades comuns se tornam extraordinárias. Acções rotineiras se transformam em aventuras e frequentemente são vivenciadas com maior clareza. No fim da tarde, Mack se encheu de agasalhos e saiu para lutar com os quase 100 metros da comprida entrada de veículos que vai até à caixa de correio. O gelo havia convertido magicamente essa tarefa simples do dia-a-dia numa batalha contra os elementos: levantou o punho em contestação à força bruta da natureza e, num acto de desafio, riu na cara dela. O facto de que ninguém notaria nem se incomodaria com o seu gesto pouco importava para ele, só o pensamento o fez rir por dentro». In William Paul Young, A Cabana, 2007, Porto Editora, 2009, 2018, ISBN 978-972-004-178-4.

Cortesia de PortoEditora/JDACT