domingo, 13 de outubro de 2019

A Cabana. William P. Young. «Pelo pouco que Mack me contou, sei que o seu pai não era o tipo de alcoólatra que cai num sono rápido e feliz, e sim um bêbado perverso que batia na mulher…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Quem não duvidaria ao ouvir um homem afirmar que passou um fim de semana inteiro com Deus e, ainda mais, numa cabana? Principalmente naquela cabana. Conheço Mack há pouco mais de 20 anos, desde o dia em que nós dois fomos à casa de um vizinho para ajudá-lo a enfardar feno para as suas poucas vacas. A partir de então nós estávamos compartilhando um café, ou, para mim, um chá tailandês superquente, com soja. As nossas conversas nos dão um gosto profundo e são sempre salpicadas de muito riso e de vez em quando de uma ou duas lágrimas. Francamente, quanto mais velhos ficamos, mais nós nos damos bem, se é que me entende. O nome completo dele é Mackenzie Allen Phillips, mas a maioria das pessoas chama-o de Allen. É uma tradição de família: todos os homens têm o primeiro nome igual, mas são conhecidos pelo nome do meio, provavelmente para evitar a ostentação do I, II e III ou Júnior e Sénior. Assim, ele, o avô, o pai e agora o filho mais velho têm o nome de Mackenzie, mas só Nan, a mulher dele, e os amigos íntimos o chamam de Mack. Ele nasceu numa fazenda do Meio-Oeste, numa família irlandesa-americana de mãos calejadas e regras rigorosas. Ainda que aparentemente religioso e exageradamente rígido,o seu pai bebia muito, sobretudo quando a chuva não vinha ou quando vinha cedo demais, e quase sempre entre uma coisa e outra. Mack nunca fala muito sobre o pai, mas quando o menciona a emoção abandona o seu rosto, como se fosse uma maré vazante, deixando seus olhos sombrios e sem vida. Pelo pouco que Mack me contou, sei que o seu pai não era o tipo de alcoólatra que cai num sono rápido e feliz, e sim um bêbado perverso que batia na mulher e depois pedia perdão a Deus. A coisa, chegou a tal ponto que, aos 13 anos e com certa relutância, Mack abriu o coração para um líder da igreja durante um encontro de jovens. Dominado pelo clima do momento, Mack confessou chorando que nunca fizera nada para ajudar a mãe nas várias vezes em que testemunhara o pai bêbado lhe dar uma surra até deixá-la inconsciente. O que Mack não pensou foi que o seu confessor frequentava a mesma igreja que o seu pai. Quando chegou em casa, o pai esperava-o na varanda e a mãe e as irmãs não estavam. Mais tarde, Mack ficou sabendo que elas tinham sido mandadas à casa da tia May para que o pai pudesse ter liberdade para dar ao filho rebelde uma lição inesquecível. Durante quase dois dias, amarrado ao grande carvalho nos fundos da casa, ele foi castigado com um cinto e com versículos da Bíblia todas as vezes que o pai acordava da sua bebedeira e largava a garrafa. Duas semanas depois, quando enfim conseguiu ficar em pé, Mack simplesmente se levantou e foi embora de casa. Mas antes de partir colocou veneno de rato em cada garrafa de bebida que conseguiu encontrar na fazenda. Depois desenterrou de perto da latrina externa a pequena lata onde guardava todos os seus tesouros: uma foto da família em que o pai estava meio afastado, uma figurinha de beisebol do Luke Easter de 1950, uma garrafinha com mais ou menos 30ml de Ma Griffe, o único perfume que a sua mãe havia usado, um carrinho de linha e duas agulhas, um pequeno jacto F-86 da Força Aérea americana em metal fundido e todas as economias de sua vida: 15 dólares e 13 centavos. Esgueirou-se pela sala e enfiou um bilhete debaixo do travesseiro da mãe, enquanto o pai roncava, curtindo mais uma bebedeira. O bilhete dizia simplesmente: um dia espero que me possa perdoar. Jurou que nunca mais olharia para trás e não olhou, durante um longo tempo. Treze anos é muito pouco, porém Mack não tinha muitas opções e se adaptou rapidamente. Ele não fala muito sobre os anos seguintes. A maior parte foi passada fora do país, trabalhando pelo mundo, mandando dinheiro para os avós, que o repassavam à mãe. Acho que num desses países distantes chegou a pegar em armas e participar de algum conflito terrível; desde que o conheço, ele odeia a guerra com um fervor sinistro. Seja lá o que for que tenha acontecido, aos 20 e poucos anos foi parar num seminário na Austrália. Quando Mack se fartou de teologia e filosofia, retornou aos Estados Unidos, fez as pazes com a mãe e as irmãs e mudou-se para o Oregon, onde conheceu Nannete A. Samuelson e se casou com ela. Neste mundo de faladores, Mack é pensador e fazedor. Não diz muita coisa, a  não ser que alguém pergunte, o que pouca gente faz. Quando fala, dá a impressão de ser uma espécie de alienígena que vê a paisagem das ideias e experiências humanas de modo diferente de todas as outras pessoas […]». In Prefácio

In William Paul Young, A Cabana, 2007, Porto Editora, 2009, 2018, ISBN 978-972-004-178-4.

Cortesia de PortoEditora/JDACT