domingo, 27 de outubro de 2019

O Sétimo Papiro. Wilbur Smith. «Corra!, gritou. Vá procurar ajuda! Não posso dominá-lo. Duraid era uma pessoa gentil, um homem pacífico, habituado a leituras e estudos. Podia ser vencido facilmente»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Ele gelaram na escuridão. O barulho constante do velho gerador a diesel, que ficava no barracão atrás do bosque de palmeiras, tinha cessado. Era algo que eles só percebiam quando se fazia silêncio. Seus olhos ajustaram-se à fraca luminosidade das estrelas que entrava pelo terraço. Duraid atravessou o estúdio e pegou o lampião a querosene na prateleira ao lado da porta, ali colocado exactamente para tais contingências. Acendeu-o e dirigiu-se a Royan com uma cómica expressão de comiseração. Vou ter de ir lá em baixo... Duraid!, ela o interrompeu. O cachorro... Ele parou para ouvir, agora mais interessado. O cachorro não latia mais. Tenho certeza de que não é nada sério. Ele foi para a porta e, sem saber porquê, ela chamou-o de volta. Duraid, tenha cuidado! Ele deu de ombros e saiu para o terraço. Por um momento, Royan achou que fosse a sombra da parreira balançando ao vento do deserto, mas não havia vento. Depois se deu conta de que um homem atravessava o pátio pavimentado sorrateiramente, aproximando-se de Duraid por trás enquanto ele contornava o pequeno tanque de peixes ao centro. Duraid! Ele virou-se ao ouvir o grito e ergueu o lampião.
Quem é você? O que quer aqui? O intruso chegou bem perto dele, em silêncio. A tradicional túnica longa, a dishdasha, enrolava-se nas suas pernas, e o turbante branco, o ghutrah, cobria-lhe a cabeça. À luz do lampião, Duraid viu que o rosto estava escondido sob o turbante. Como o homem estava de costas para ela, Royan não viu a faca na sua mão direita, mas percebeu nitidamente o movimento rápido contra a barriga de Duraid. Ele gemeu e curvou-se de dor, enquanto o atacante erguia a lâmina e desferia outro golpe; dessa vez Duraid deixou cair o lampião e segurou a mão do outro. A chama do lampião espalhou-se pelo chão. Os dois homens lutavam na penumbra, e Royan viu que uma mancha escura cobria a frente da camisa do seu marido.
Corra!, gritou. Vá procurar ajuda! Não posso dominá-lo. Duraid era uma pessoa gentil, um homem pacífico, habituado a leituras e estudos. Podia ser vencido facilmente. Vá! Por favor! Salve-se, minha flor! Ele estava perdendo as forças, mas continuava segurando desesperadamente o pulso do agressor. Ela estivera paralisada pelo choque e pela indecisão durante alguns segundos fatais, mas então saiu do estupor e correu para a porta. Impelida pelo terror e pela necessidade de procurar ajuda para Duraid, atravessou o terraço com a agilidade de um gato, enquanto ele tentava impedir que o intruso lhe bloqueasse o caminho. Ela saltou a mureta de pedra e praticamente caiu nos braços de um segundo homem. Aos gritos, contorceu-se para escapar, enquanto os dedos do estranho lhe arranhavam o rosto, e só não conseguiu porque eles se engancharam no fino tecido de sua blusa. Desta vez ela viu a faca, a lâmina brilhante à luz das estrelas, e isso lhe deu novas forças. A blusa rasgou e deixou-a livre, mas não a tempo de escapar da lâmina. Royan sentiu a ferroada no braço e chutou o homem com toda a intensidade de seu pânico e de sua juventude. O pé atingiu-lhe a carne macia do baixo-ventre com uma força que ela sentiu repercutir até o tornozelo e os joelhos; o atacante deu um grito e caiu ajoelhado.
Ela saiu correndo pelo bosque de palmeiras. A princípio corria sem nenhuma direcção, simplesmente para se afastar o mais rápido possível dali. Aos poucos o pânico foi sendo controlado. Royan olhou para trás e viu que ninguém a seguia. Ao se aproximar do lago, parou um pouco para recuperar as forças, e só então se deu conta de que o sangue escorria pelo seu braço e pingava das pontas dos dedos. Apoiada no caule de uma palmeira, ela rasgou uma tira da própria roupa e tentou desajeitadamente enrolá-la no braço. Tremia tanto que mesmo a mão sadia mostrava-se impotente e canhestra. Conseguiu amarrar a tosca bandagem com a ajuda dos dentes e da mão esquerda, e o sangramento diminuiu». In Wilbur Smith, O Sétimo Papiro, 1995, Editora Best Seller, 2004, ISBN 978-853-321-159-9.

Cortesia de EBSeller/JDACT