domingo, 27 de outubro de 2019

Em Alto Mar. Wilbur Smith. «Ele riu e foi até ao gabinete de crises. Assim que entrou, o zumbido da conversa dos homens desapareceu. Hector subiu no palanque e olhou para eles»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) O tom dela era suave, quase cadenciado, mas a inflexão era precisa e claramente sul-africana. Hector sabia que ela havia nascido na Cidade do Cabo e adquirido a cidadania norte-americana após se casar com Henry Bannock. Bert Simpson abriu a porta do passageiro do Humvee, e ela deslizou para o assento. Assim que Bert se colocou atrás do volante, Hector assumiu a posição de acompanhante no segundo Humvee logo atrás dele. Um terceiro jipe liderava os demais. Todos os veículos tinham o logotipo de uma cruz medieval pintado nas portas. Uthmann estava no primeiro, e ele conduziu o pequeno comboio até à estrada de serviço que corria paralela à grande tubulação prateada que carregava o líquido precioso por mais de cem quilómetros até aos tanques de espera. Enquanto dirigiam, as torres de perfuração surgiram através da névoa amarelada em ambos os lados, fileira após fileira, como esqueletos de uma legião perdida de guerreiros. Antes de alcançarem o vale ressecado, Uthmann abandonou a trilha, e todos subiram pela crista de pedra bruta, coberta em fuligem negra como se tivesse sido chamuscada pelo fogo. O complexo principal de prédios ficava no ponto mais alto. Dois sentinelas da Cross Bow em uniformes de batalha abriram os portões, e os três Humvees passaram em alta velocidade. De imediato, o veículo que levava Hazel Bannock se afastou do grupo e atravessou o complexo interno, parando diante das portas pesadas que guardavam as luxuosas suítes executivas com ar condicionado. Hazel entrou rapidamente, escoltada por Bert Simpson e meia-dúzia de empregados uniformizados. As portas se fecharam solenemente. Hector teve a impressão de que restara uma lacuna após a sua partida, até mesmo o vento Khamseen agora uivava com menos fúria, e, ao parar diante da entrada para o quartel-general da Cross Bow, olhou para o céu e viu que as nuvens de poeira estavam de facto se desfazendo, desintegrando-se.
Já no seu aposento particular, ele removeu os óculos e desenroscou o lenço do pescoço. Em seguida, lavou o rosto e as mãos, aplicou colírio para aliviar os olhos avermelhados e examinou o próprio rosto no espelho na parede. A barbicha rala e escura lhe conferia um quê de pirata. A pele era escura, bronzeada pelo sol do deserto, com excepção da cicatriz prateada acima do olho direito, onde um golpe de baioneta havia deixado o osso do crânio exposto. O nariz era grande e imponente. O verde dos seus olhos era frio e calmo. Os dentes eram branquíssimos como os de um predador. É o único rosto que você terá na vida, Hector, meu rapaz. Isso não significa que tem de adorá-lo, murmurou, replicando em seguida a si mesmo, mas graças a Deus existem moças de gostos menos exigente no mundo.
Ele riu e foi até ao gabinete de crises. Assim que entrou, o zumbido da conversa dos homens desapareceu. Hector subiu no palanque e olhou para eles. Os dez presentes eram os líderes do seu esquadrão. Cada um comandava um grupo de dez homens, e ele sentiu uma pequena ponta de orgulho. Eram experientes, verdadeiros guerreiros que tinham aprendido o seu ofício no Congo, no Afeganistão, no Paquistão, no Iraque e em outros terrenos sangrentos do perverso velho mundo. O esquadrão demorara a ser montado, era um bando nada admirável de assassinos perversos e endurecidos, e ele os amava como se fossem seus irmãos. Onde estão os arranhões e as marcas da mordida, chefe? Não diga que conseguiu livrar-se dela sem ser castigado?, um deles gritou. Hector sorriu com tolerância, dando-lhes um minuto para desafogar o humor pesado e se acalmar. Em seguida, levantou uma das mãos. Cavalheiros, se é que faz algum sentido chamá-los assim, cavalheiros, temos sob os nossos cuidados uma senhora que irá atrair a atenção fervorosa de todos os todos os trogloditas de Kinshasa a Bagdá, de Cabul a Mogadíscio. Se algo de ruim acontecer a ela, eu mesmo vou cortar o saco do homem que permitir tal coisa. Juro de pés juntos». In Wilbur Smith, Em Alto Mar, 2011, Editora Planeta Brasil, 2012, ISBN 978-857-665-880-1.

Cortesia de EPlaneta/JDACT