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Das tais guerras que começam sem se saber bem porquê, mas que acabam quase
sempre bem mal para os contendores. Alguns anos antes, Sancho IV de Castela
mandara invadir o Algarve e outros lugares de Portugal, na raia da Beira.
Pequenas acções de guerrilha em zonas de fronteira, coisas de pouca monta e para
as quais o rei de Portugal já estava avisado. Mas a atitude militar mais grave,
pela parte de Sancho, fora o envio de uma esquadra a partir de Sevilha, que
penetrando na foz do rio Tejo apresou várias naus portuguesas, no ancoradouro
do Restelo. Essa foi uma provocação e uma agressão intoleráveis para o rei português.
A resposta de Dinis I foi a invasão do território de Castela, de Cidade Rodrigo
a Valadolid e a Medina del Campo. Em resposta, os castelhanos invadiram o
Alentejo e Dinis voltou a novas e mais violentas agressões contra Castela. Até
que, depois de longos meses de guerra e de muitas e graves destruições em ambos
os reinos, a paz foi assinada em Alcanizes. Desse acordo, para o qual
muito contribuiu a influência da rainha dona Isabel de Aragão, resultou a troca
de muitas terras entre os dois reinos, tendo Castela recebido Arronches no
Alentejo e Valença do Minho e ainda Aiamonte no Algarve. Portugal recebeu
então, por força do tratado assinado em Alcanizes, Monforte, Olivença e Campo
Maior e nas Beiras, Almeida, Castelo Rodrigo e Castelo Melhor. Além disso, o tratado
de Alcanizes determinou ainda os casamentos de Afonso de Portugal,
filho de Dinis I e de don Isabel, com Beatriz de Castela e de Fernando IV de
Castela com Constança, filha dos reis de Portugal.
No
rigoroso Inverno de 1304, em ventoso
dia do mês de Fevereiro, Vataça Lascaris, a princesa bizantina
aia da rainha dona Constança na corte de Castela, recebia no palácio real de
Toledo um mensageiro desconhecido, vindo de Barcelona, enviado por sua irmã
Beatriz. O jovem cavaleiro catalão, Manolo Ratia de seu nome, comunicou-lhe a
enfermidade muito grave de sua mãe e entregou-lhe uma carta em que esta pedia
que se deslocasse urgentemente a Barcelona pois era, dizia sua mãe,
absolutamente imperioso que falasse com suas filhas e seus filhos antes de se
finar se porventura fosse essa a vontade de Deus. Vataça Lascaris ficou
aflitíssima. Sentiu um ligeiro estremeção no corpo, que a assustou por nunca o
haver sentido anteriormente e de imediato pôs dona Constança ao corrente do
sucedido. Não havia tempo a perder. Logo mais Fernando de Castela colocou à sua
disposição uma guarda especial de uma dezena de homens e um dos coches reais e
no dia seguinte Vataça Lascaris encetava a viagem para Barcelona de Aragão e
Marca Hispânica, onde sua mãe se encontrava enferma, em casa de sua irmã
Beatriz Lascaris. Alguns dias depois o coche que transportava Vataça
escoltado pela guarda do rei de Castela, denunciando a presença de gente de
estirpe real no seu interior, atravessava os portões das muralhas que rodeavam
a cidade de Barcelona e com o cavaleiro Manolo Ratia como guia percorreram
rapidamente as ruas e praças que os conduziram ao palácio onde se encontrava sua
mãe, Eudóxia Lascaris. Após a praça enorme onde centenas de artesãos,
pedreiros, canteiros e muitos trabalhadores braçais procedia à construção da
catedral gótica de Santa Eulália ou de Santa Cruz e onde pululava um pequeno
mercado de feirantes e agricultores, com as suas criações de aves a voarem por
debaixo das patas dos cavalos, Manolo Ratia entrou no terreiro do palácio indicando
aos soldados os estábulos para os animais e as casas onde iriam permanecer,
enquanto ficassem por Barcelona. Vataça e suas aias entraram no
palácio». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A Favorita de Dom Dinis, Prime
Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
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