A Ordem de Avis e a monarquia portuguesa até ao final do reinado de
Dinis I
«(…) Estando terminada a
Reconquista,
a Ordem de Avis continuou a participar activamente na defesa do Reino e na
construção e conservação de várias praças. Por isso mesmo, não é de estranhar
que Dinis I procurasse de algum modo compensá-la das despesas e gastos que tal
actividade implicava: assim, em 1303,
o rei faz uma doação à Ordem, afirmando expressamente que o faz galardoando vos
em algũa cousa o serviço que mi
fezestes e fazedes cada que a mi faz mester ou aa mha terra e por o fazimento daquelas cousas que
perdestes en meu serviço e en deffendimento da mha terra e a
mantiimento dos
lugares que murastes e castelastes. Com uma base territorial que
pretendia rentabilizar, a Ordem de Avis conhece, a partir dos finais do século
XIII e inícios do seguinte, uma nova fase da sua existência, facilmente
detectável através da documentação que chegou até nós: de facto, aumenta nesta
altura, de forma considerável, o número de diplomas relacionados com litígios
da milícia com particulares e outras instituições, que o rei foi chamado a
decidir. Se nem sempre as contendas se resolveram a favor da Ordem, algumas
vezes o monarca decide contra os opositores dos cavaleiros, como aconteceu, por
exemplo em 1280, a propósito de um
açude no rio Alviela e em 1299 sobre
uma propriedade em Évora. Mas nem sempre assim aconteceu. Assim, se em 1280 o monarca vai tomar sob a sua
protecção algum património de Avis, quatro anos mais tarde sentencia a favor do
concelho de Alcanede contra a Ordem e em 1298
manda que os freires não obriguem os moradores de Estremoz a dar algo para a
milícia. Ao associarmos estas sentenças negativas às inquirições de 1290, em que o rei manda que a vila de
Tazem (julgado de Seia) e 11 casais de Tourais, pertencentes a Avis ficassem
devassos e aí entrasse mordomo, somos levados a pensar que estamos perante uma
tentativa de controlo da Ordem por parte do rei, atitude que deverá ser
encarada dentro do conjunto de medidas tendentes à centralização por parte do
monarca. Assim o poderão testemunhar os documentos de 1322 pelos quais o rei declara sem validade os privilégios que
anteriormente concedera aos mestres e priores das Ordens a respeito dos seus
ouvidores e permitindo-lhes dar cartas de seguro e cumprir justiça.
Dentro deste contexto,
não é de estranhar que Dinis I tenha procurado intervir no sentido de colocar
no mestrado da Ordem, durante os últimos vinte e cinco anos do seu reinado,
homens da sua confiança: Lourenço Afonso, Garcia Peres Casal, Gil Martins e Vasco
Afonso. No que respeita ao tempo em que o primeiro destes Mestres esteve à
frente da milícia, verifica-se que esta aumentou o número de Igrejas dela
dependentes, graças a doações sucessivas por parte da família real: Vila
Viçosa, Portalegre, Alcanede, Elvas, Paderne, Montargil e Olivença são
exemplos do que acabamos de afirmar. No entanto, a maior dádiva de Dinis I à
Ordem neste período é a da vila de Noudar, graça que tem uma
contrapartida (tal como acontecera em 1211
com a doação do lugar de Avis): a construção do castelo e
muro da vila. Numa altura em que a disputa luso-castelhana sobre os limites
dos dois reinos estava ainda na memória do monarca, não é de admirar este tipo
de atitude. Aliás, pensamos que foi numa perspectiva semelhante que Dinis I aceitou
a oferta dos direitos da Ordem em Olivença para ajuda da construção do
seu castelo. É durante o mestrado de Lourenço Afonso que se torna mais nítida a
vinculação da Ordem ao monarca, que vai culminar na intervenção directa do rei nos
assuntos internos de Avis. Esse aumento de influência do rei Dinis é, aliás,
perceptível na motivação expressa nas diferentes doações: 1297: polo muito serviço e remimento de pecados; 1299: em remiimento de meus pecados,
por mha alma e en galardom do serviço que mi fez; 1305: por muyto serviço que vos e a dicta ordim e convento
fezestes a mim e aaqueles onde eu venho e outrossy em remimento dos pecados;
1308: esgardando o serviço que mi
fezeram os Maestres da Ordim d'Avis e os freires e estremadamente o Mestre dom
Lourenço Afomso e seus freyres, e outrossy o serviço que mi ham de fazer de
todalas cousas que am e catando o que ata aqui senpre servirom bem e lealmente
assi com os corpos come com todalas coussas que ouverom e que lhy foram dadas
pelos meus antecessores e per mi ata aqui»; 1317: vendo como a Orden da Cavalaria d'Avis foi sempre e he
feitura e merce dos reis onde nos vimos que ante forom (...) e entendendo que
quanto a dicta Ordin mays rica e milhor parada for se acrecenta no nosso
serviço e dos reys que depos nos veerem em Portugal a cujo serviço a Ordim he teúda».
In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV,
Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.