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Em todos estes casamentos, dada a condição religiosa dos contraentes, desde o
início houve uma tentativa de conciliar os interesses políticos das partes com
as severas leis vigentes para o matrimónio católico. As três primeiras infantas
tiveram de submeter-se à separação matrimonial por ordem do papa, por ter sido
infligido no matrimónio o que fora estabelecido pelo Código de Graciano,
válido a partir de 1140, que proibia a união entre parentes consanguíneos atá
ao sétimo grau. O vínculo preferencial de vassalagem de Portugal à Santa Sé, tinha
o seu preço. Devido em parte a esses inconvenientes, a partir do 4.º Concílio
de Latrão, em 1215, a Igreja alterou
a proibição para o quarto grau de parentesco. Desde então, graças a uma
dispensa papal, nem sempre fácil de conseguir, mas que acabou por ser outorgada
em todos os casos, nenhuma infanta de Portugal foi obrigada a regressar ao seu
reino, humilhada por essa razão. O matrimónio constava de duas partes, os
esponsais, ou palavras de futuro, e a
boda, ou palavras de presente. Esta
última, por meio da qual se ratificava a promessa anterior, só podia realizar-se
quando ambos os contraentes tivessem atingido a maioridade, que
era de doze anos para as mulheres e catorze para os homens. De
um modo geral, esta última parte era a conclusão de demoradas negociações entre
as duas famílias interessadas, através de hábeis procuradores, acostumados ao
direito canónico e civil, que tinham discutido o tema do dote que o rei
português outorgaria ao marido da infanta, e o tema das arras, geralmente ricas vilas (Zamora, Toro), por intermédio
das quais se garantia a autonomia económica da infanta, uma vez convertida em
soberana consorte e instalada no seu novo reino. Era nesse momento que se
cumpriam os trâmites do pedido a Roma para a dispensa papal, que daria
legitimidade a uma união matrimonial entre os contraentes que estivessem
ligados por laços próximos de parentesco, devido ao facto de os reis de
Portugal, Leão e Castela descenderem do mesmo tronco comum, a Casa de Borgonha
e de, desde o início da história portuguesa, quase todas as uniões dinásticas
se terem produzido dentro dela.
Uma
vez concluído o matrimónio por palavras
de presente, em muitos casos por meio de outro procurador, tarefa que com o
tempo seria exclusivo de um importante membro da nobreza, a infanta de Portugal,
convertida em rainha, estava pronta para viajar para o seu novo reino. Ao
tornarem-se exclusivas as uniões com Castela, foi-se criando uma tradição,
segundo a qual a infanta era conduzida pelos seus familiares até Elvas,
acompanhada de um rico cortejo com que se pretendia evidenciar o poderio
económico português. Houve reis que chegaram a construir um palácio ao longo do
percurso para que a corte lusitana nele pudesse fazer uma paragem de um dia.
Uma vez cruzada a fronteira do rio Caia, do outro lado da raia, ou se encontrava
com o seu esposo ou com um nobre importante, em sua representação, que a
esperava. Com o tempo, essa função passaria a ser quase exclusiva dos duques de
Medina Sidónia, ascendentes directos de dona Luísa de Gusmão, mulher de João
IV, primeiro rei da dinastia de Bragança. Se era o monarca que ali se
encontrava, tinha então lugar uma missa de velações, ou bênçãos nupciais, à
qual se costumava seguir um banquete e festas que duravam vários dias. Caso contrário,
essas cerimónias realizavam-se na cidade em que o esposo a aguardava, onde era
conduzida pelo nobre. Depois da missa de velações, realizava-se o acto sem o
qual nenhum matrimónio podia ser considerado completamente válido, a sua consumação.
Por vezes, a maioridade cronológica de um dos membros do casal, ou de ambos,
não coincidia com a idade biológica, tendo então de se esperar até que se
produzisse a primeira menstruação da mulher ou o desenvolvimento sexual do
varão para que se desse a união completa». In Marsilio Cassotti, Infantas de Portugal,
Rainhas de Espanha, tradução de Francisco Boléo, A Esfera dos Livros, Lisboa,
2012, ISBN 978-989-626-396-6.
Cortesia
ELivros/JDACT