quinta-feira, 23 de abril de 2015

D. Pedro V. O seu Reinado. Júlio Vilhena. «No domingo antes do Natal de 1849, fez o príncipe novo exame público de latim, de grego, de inglês, de música, e de desenho. Manuel Inocêncio ensinara-lhe a música; a pintura o insigne artista António Manuel Fonseca»

Cortesia de wikipedia e jdact

De acordo com o original:

«Emquanto estudava o latim, dedicava-se também à música, à pintura e à história natural, coleccionando conchas e insectos afim de organisar um museu. Esta tendência para a coleccionação acompanha-o ainda nos anos seguintes. Em 4 de Junho de 1851 escreve de Sintra a Sarmento: Consagrei a tarde a uma excursão conchiliológica com o visconde, a qual me deu oito espécies que o mano Luiz lhe mostrará. E em 1855, já depois de rei, pede a Rodrigo Fonseca que tenham cuidado com uns pássaros que vem do Chile para êle a bordo do patacho Indústria. Foi chamado para organisar o museu Francisco Silveira Franco, lente de medicina no Hospital de S. José. No dia 3 de Abril de 1848 dava Pedro V a primeira prova pública do seu adiantamento nos estudos. Fazia exame de latim perante a corte. Mas antes quiz ir à capela, onde naquele dia havia lausperenne, para implorar o auxílio do Senhor, esclarecendo-lhe o entendimento afim de fazer bom exame. E fê-lo bom na ver dade, porque traduziu, com desembaraço, um capítulo de Eutropio e uma fábula de Phedro. Tinha então onze anos de idade e apenas seis meses de tradução latina. O resultado do exame foi sujeito à votação dos presentes. Todos votaram, muito bem, ou muitíssimo bem, só a mãe, sempre grave e austera, lhe concedeu simplesmente um Bem. Esta nota, que a muitos parecerá indiferente, revela, contudo, fielmente o carácter da rainha. Altamente satisfeita com o exame do filho, gosta de que todos o elogiem, mas para não o lisongear excitando-lhe a vaidade, e para se não mostrar parcial, é quem lhe dá o voto menos laudatório. Bem; e nada mais. O professor extasia-se perante os conhecimentos do discípulo e não se cança de lhe festejar o talento e a aplicação: A tal ponto chegava o amor que Sua Magestade tinha aos livros latinos que achando-se doente de uma angina na primavera de 1848, queria que lhe trouxessem os seus livros para a cama, e até os guardava debaixo do travesseiro, onde eu mesmo os encontrava, e pedia a Sua Magestade que tomasse descanço, porque não faltava tempo em que pudesse estudar. Que hei de fazer? disse Sua Magestade, hei de perder os meus estudos, deixando-me atrasar? Esta mesma resposta dava a todos.
O velho professor tinha às vezes adoráveis ingenuidades. Quando a rainha, em 1848, deu à luz o príncipe Leopoldo, Martins Bastos escrevia nas suas Memórias: Sua Magestade El-rei, pela sua edade e mais ainda pela sua inocência, nada disto empreendia, e somente pensava que um menino, seu primo, estava chegando ou havia chegado da Alemanha. Neste tempo, quando o primo chegava da Alemanha, já Pedro se ocupava das aventesmas que povoavam o paço. No princípio de 1849 o príncipe Pedro traduzia as epístolas de Cícero, e escrevia cartas em latim ao seu mestre, datadas de Sintra, uma do segundo dia antes das Calendas de Agosto, de 1849, outra do quarto dia antes dos idos de Julho, de 1850. Já conhecia Salustio, Tito Livio e Virgílio, e era preciso dar-lhe mestre de grego, retórica, filosofia racional e moral e princípios de direito natural. Veiu continuar a educação do príncipe António José Viale, conhecido humanista e perito nos estudos clássicos. No domingo antes do Natal de 1849, fez o príncipe novo exame público de latim, de grego, de inglês, de música, e de desenho. Manuel Inocêncio ensinara-lhe a música; a pintura o insigne artista António Manuel Fonseca. Em 1850 o príncipe Pedro já conhecia, além dos autores citados, Ovídio, Horácio e Tácito, e em 23 de Dezembro fez o terceiro exame, assim descrito por Martins Bastos: Começou o exame pela latinidade; El-rei traduziu magnificamente parte de um capítulo de Tito Lívio, aberto à sorte por Elrei, seu pai; do mesmo modo um trecho de Virgílio na Eneida; e uma ode inteira de Horácio, aberto tudo à sorte por El-rei, como fica dito. Não é possível traduzir com mais propriedade e elegância, do que o fez Sua Magestade, no que me enchi da maior glória, por ser aquele o último exame daquela disciplina que Sua Magestade fez. Além do exame de latinidade, Pedro fez, com brilhante êxito, o de retórica e história, de inglês, ficando satisfeito o seu professor Graveley, aquele mesmo que acreditava todos os boatos que lhe encaixavam nos cascos e que os espalhava no paço quando foi a revolta do marechal Saldanha.
Durante o ano de 1851 estudou o príncipe a matemática com Filipe Folque, sem abandonar os outros estudos, fazendo os exames do costume em 22 de Dezembro. Assim se procedeu também no ano seguinte, dando o príncipe conta dos seus trabalhos no exame de 23 de Dezembro, que foi o último a que o sujeitaram. A mãe falecia-lhe em 15 de Novembro de 1853, e desde então Pedro, entregue a si próprio, numa quási libertação do poder paternal, entregara-se ao estudo de todos os assuntos com um afinco verdadeiramente sobrenatural. A mãe fora uma grande educadora. A consideração e favor que dedicava aos mestres; a atenção que dispensava à maneira como corriam os estudos; a sua vigilância que, como boa mãe burguesa e simples, exercia perante os filhos, a ponto de os espreitar pelo buraco da fechadura para vêr se estudavam ou se tinham adormecido sobre os livros; todo o conjunto de cuidados, que sempre lhe pareciam poucos, com que se desvelava para que tivessem uma educação exemplar sob todos os aspectos, conferiam justamente a esta grande mulher o título da melhor das mães. A lenda levava até o último recanto do país as repreensões que ela lhes dava em público, quando praticavam algum acto que o rigor da mãe julgava repreensível. Agora obrigava a creança a beijar o filho do povo que ela afastara de si, logo aplicava-lhe o vulgar puxão de orelhas para que o povo visse bem como ela o sabia corrigir». In Júlio de Vilhena, D. Pedro V, O Seu Reinado, Academia das Ciências de Lisboa, DP 664V55, 610415, 4755, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1921.

Cortesia da UCoimbra/JDACT