De
acordo com o original:
«Emquanto estudava o latim, dedicava-se
também à música, à pintura e à história natural, coleccionando conchas e insectos
afim de organisar um museu. Esta tendência para a coleccionação acompanha-o ainda
nos anos seguintes. Em 4 de Junho de 1851 escreve de Sintra a Sarmento: Consagrei a tarde a uma excursão
conchiliológica com o visconde, a qual me deu oito espécies que o mano Luiz lhe
mostrará. E em 1855, já depois
de rei, pede a Rodrigo Fonseca que tenham cuidado com uns pássaros que vem do Chile
para êle a bordo do patacho Indústria.
Foi chamado para organisar o museu Francisco Silveira Franco, lente de medicina
no Hospital de S. José. No dia 3 de Abril de 1848 dava Pedro V a primeira prova pública do seu adiantamento nos estudos.
Fazia exame de latim perante a corte. Mas antes quiz ir à capela, onde naquele dia
havia lausperenne, para implorar o auxílio
do Senhor, esclarecendo-lhe o entendimento afim de fazer bom exame. E fê-lo bom
na ver dade, porque traduziu, com desembaraço, um capítulo de Eutropio e uma fábula de Phedro. Tinha então onze anos de idade
e apenas seis meses de tradução latina. O resultado do exame foi sujeito à votação
dos presentes. Todos votaram, muito bem,
ou muitíssimo bem, só a mãe, sempre grave
e austera, lhe concedeu simplesmente um Bem.
Esta nota, que a muitos parecerá indiferente, revela, contudo, fielmente o carácter
da rainha. Altamente satisfeita com o exame do filho, gosta de que todos o
elogiem, mas para não o lisongear excitando-lhe a vaidade, e para se não mostrar
parcial, é quem lhe dá o voto menos laudatório. Bem; e nada mais. O professor extasia-se perante os conhecimentos
do discípulo e não se cança de lhe festejar o talento e a aplicação: A tal ponto chegava o amor que Sua Magestade
tinha aos livros latinos que achando-se doente de uma angina na primavera de 1848, queria que lhe trouxessem os seus
livros para a cama, e até os guardava debaixo do travesseiro, onde eu mesmo os
encontrava, e pedia a Sua Magestade que tomasse descanço, porque não faltava tempo
em que pudesse estudar. Que hei de fazer? disse Sua Magestade, hei de perder os
meus estudos, deixando-me atrasar? Esta mesma resposta dava a todos.
O velho professor tinha às vezes
adoráveis ingenuidades. Quando a rainha, em 1848, deu à luz o príncipe Leopoldo, Martins Bastos escrevia nas suas
Memórias: Sua Magestade El-rei, pela sua edade e mais ainda pela sua inocência, nada
disto empreendia, e somente pensava que um menino, seu primo, estava chegando
ou havia chegado da Alemanha. Neste tempo, quando o primo chegava da Alemanha,
já Pedro se ocupava das aventesmas
que povoavam o paço. No princípio de 1849
o príncipe Pedro traduzia as epístolas de Cícero, e escrevia cartas em latim ao
seu mestre, datadas de Sintra, uma do segundo dia antes das Calendas de Agosto,
de 1849, outra do quarto dia antes dos
idos de Julho, de 1850. Já conhecia Salustio, Tito Livio e Virgílio, e era
preciso dar-lhe mestre de grego, retórica, filosofia racional e moral e princípios
de direito natural. Veiu continuar a educação do príncipe António José Viale, conhecido
humanista e perito nos estudos clássicos. No domingo antes do Natal de 1849, fez o príncipe novo exame público
de latim, de grego, de inglês, de música, e de desenho. Manuel Inocêncio ensinara-lhe
a música; a pintura o insigne artista António Manuel Fonseca. Em 1850 o príncipe Pedro já conhecia, além
dos autores citados, Ovídio, Horácio e Tácito, e em 23 de Dezembro fez o terceiro
exame, assim descrito por Martins Bastos: Começou
o exame pela latinidade; El-rei traduziu magnificamente parte de um capítulo de
Tito Lívio, aberto à sorte por Elrei, seu pai; do mesmo modo um trecho de Virgílio
na Eneida; e uma ode inteira de Horácio, aberto tudo à sorte por El-rei, como fica
dito. Não é possível traduzir com mais propriedade e elegância, do que o fez Sua
Magestade, no que me enchi da maior glória, por ser aquele o último exame daquela
disciplina que Sua Magestade fez. Além do exame de latinidade, Pedro fez, com brilhante êxito, o de retórica
e história, de inglês, ficando satisfeito o seu professor Graveley, aquele mesmo
que acreditava todos os boatos que lhe
encaixavam nos cascos e que os espalhava no paço quando foi a revolta do
marechal Saldanha.
Durante
o ano de 1851 estudou o príncipe a matemática
com Filipe
Folque, sem abandonar os outros estudos, fazendo os exames do costume em
22 de Dezembro. Assim se procedeu também no ano seguinte, dando o príncipe
conta dos seus trabalhos no exame de 23 de Dezembro, que foi o último a que o sujeitaram.
A mãe falecia-lhe em 15 de Novembro de 1853, e desde então Pedro,
entregue a si próprio, numa quási libertação do poder paternal, entregara-se ao
estudo de todos os assuntos com um afinco verdadeiramente sobrenatural. A mãe fora
uma grande educadora. A consideração e favor que dedicava aos mestres; a atenção
que dispensava à maneira como corriam os estudos; a sua vigilância que, como boa
mãe burguesa e simples, exercia perante os filhos, a ponto de os espreitar pelo
buraco da fechadura para vêr se estudavam ou se tinham adormecido sobre os livros;
todo o conjunto de cuidados, que sempre lhe pareciam poucos, com que se desvelava
para que tivessem uma educação exemplar sob todos os aspectos, conferiam
justamente a esta grande mulher o título da melhor das mães. A lenda levava até
o último recanto do país as repreensões que ela lhes dava em público, quando praticavam
algum acto que o rigor da mãe julgava repreensível. Agora obrigava a creança a beijar
o filho do povo que ela afastara de si, logo aplicava-lhe o vulgar puxão de orelhas
para que o povo visse bem como ela o sabia corrigir». In Júlio de Vilhena, D. Pedro V, O
Seu Reinado, Academia das Ciências de Lisboa, DP 664V55, 610415, 4755, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1921.
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