domingo, 5 de abril de 2015

A personagem do rei Pedro I. Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI. Pedro J. Rodrigues. «… seiam certos que aos seus corpos e averes me tornarey eu porem. ou stranhar lho ey nos corpos como minha mercee for. … por esta altura, a principal fonte do poder de Pedro I não é o amor que provoca, mas o temor que suscita»

Cortesia de wikipedia

A figura do rei através dos documentos oficiais do seu reinado
«(…) O facto é que foi Pedro I, o primeiro rei português a afirmar-se detentor de um poder absoluto, usando algumas vezes essa fórmula nos documentos da sua chancelaria. Baquero Moreno considera que esta concepção do poder por parte do rei terá implicações directas no seu próprio entendimento da lei: Em conformidade com o seu poder absoluto o rei era a representação da lei viva. Expressões como querendo lhe fazer graça e merçee ou tenho por bem e mando, muito frequentes na sua chancelaria, constituem, afinal, formas simples de vincar a diferença de posições entre os que vão pedir algo e aquele que concede um favor, pois detém o poder de o atribuir ou de o negar. Acrescia ainda a esta posição, já de vantagem, o facto inquestionável de o rei ser detentor de um poder directamente delegado pela divindade, em nome da qual era exercida a autoridade real; aliás, ao contrário do que se poderia depreender de algumas demonstrações de má vontade para com o clero, a crença religiosa parece nunca ter abandonado o pensamento do monarca, se atendermos não só a diversas formulações de artigos da chancelaria, mas também às suas determinações finais, como afirma Montalvão Machado: D. Pedro mostrava-se efectivamente bastante religioso, como demonstrou na redacção do seu testamento, impregnado duma preocupação de salvação da alma, maior do que se vê no testamento de D. Afonso IV, muito maior do que a revelada pelo testamento de D. Dinis. Após a afirmação do poder real perante os diversos grupos sociais, Pedro I parece ter sentido necessidade de adaptar à sua máquina da administração central (e, principalmente, no que se referia ao sistema de aplicação da justiça) a imagem de firmeza, imparcialidade e honestidade com que o próprio era identificado.
Consideramos que será neste contexto que, a partir de certa altura, os próprios diplomas da chancelaria perspectivam tudo em função do rei, da sua imagem. Cremos que terá sido necessária a intervenção pessoal do rei para implementar, nesta época, um sistema de justiça em que as sentenças aplicadas respeitavam as formalidades processuais exigidas pela legislação e asseguravam algumas garantias aos acusados, tanto mais que, simultaneamente, se legislou no sentido de permitir o rápido desembargo dos assuntos pendentes e de evitar tudo o que possa dar lugar a situações de favor ou a desonestidades cometidas no exercício dos cargos. Para além desta tentativa de moralização junto dos servidores régios, sentia-se a necessidade de obrigar ao cumprimento das decisões da justiça real; para este fim, o rei adverte, amiúde, nas próprias cartas da sua chancelaria, para as punições em que incorrerão os prevaricadores: seiam certos que aos seus corpos e averes me tornarey eu porem. ou stranhar lho ey nos corpos como minha mercee for. Assim, poder-se-á considerar que, por esta altura, a principal fonte do poder de Pedro I não é o amor que provoca, mas o temor que suscita. Esta nova realidade relativa à aplicação da justiça, em flagrante contraste com a prática até aí conhecida e sentida pelas populações, foi indicador decisivo na adesão do povo à figura do rei Pedro I. A paixão pela justiça, tantas vezes mencionada em relação a este monarca, é visível nos diplomas da sua chancelaria e resume realmente a essência de um rei cuja vontade he e foy sempre d estranhar e castigar os maãos fectos, independentemente da origem social do criminoso». In Pedro Jorge Rodrigues, A personagem D. Pedro, Na narrativa portuguesa do dealbar do século XXI, Tese de Mestrado em Estudos Portugueses Interdisciplinares, Universidade Aberta, Coimbra, 2006,

Cortesia de UAberta, Coimbra/JDACT